DIÁRIO DA FONTE
Converso com Vésper, toda vez que assoma no céu do país que eu amo. Faço sempre um pedido, às vezes dois, que são atendidos. Porque Vésper é anunciadora de estrelas, farol de um anoitecer extremo. Tantas vezes náufrago, dela me sirvo para orientar o rumo. Navego o olhar em sua direção, balão de promessas, e acato suas decisões, inspiradas por visões noturnas.
Ainda é branco o céu, pálido diante do dia exangue, quando ela vem tomar seu posto, acima do horizonte do verão. É talvez um gesto seu que faz desencadear as constelações, rastro luminoso de duendes ocultos, os que se fazem representar pelas nuvens roxas do ângelus. Passaporte para o veludo salpicado de brilhos, ela forra o teto do mundo antes de diminuir de tamanho e se confundir com tudo.
Onde está Vésper depois que anoitece? Na corte da lua cheia, sem dúvida, onde divide posições de semeaduras. De lá ela providencia marés e chuvas, e talvez, glória suprema, mais um dia perfeito desenhado na prancha grávida de futuros. Ela fecha o ciclo do dia onde encontramos paz e promete a manhã seguinte com seu carimbo de sonhos.
Balanço na varanda tomado pela visão de Vésper, deusa soberana que encerra o diamante do amanhecer. É sempre a mesma, a primeira que surge, quando o tempo duela consigo mesmo e reparte os momentos como Deus em pleno gênesis. Mas ela não quer poder e sim o manso rio de sua própria aventura. Lição de coisas, torre de abismos, sutil princesa sem sustos. Vejo-te quieta como um sinal de vidas eternas, almas que não somem, carnes que ressuscitam.
Somos palavras engatilhadas como soluços, que contigo cruzam o mar de enigmas. Nosso discurso precisa de ti, vagalume ao redor de cíclopes. És o olho aberto para quem precisa viver mais uma vez para que os acertos definam o destino. Reestudamos teu curso como os antigos sábios abriam mapas de pergaminho. Adaptamos nosso fruto, como árvore que aprende segredos. Sabemos pouco e isso nos serve de alimento, desde que possamos vê-la, presente com suas algemas de prata, a prender a atenção como um redemoinho.
Converso com Vésper, luz de uma eternidade em suspenso. Só por um instante, pois não há catedrais que te religuem. Flutuas na imensidão de nossas dúvidas e recolhes as folhas que deixamos no chão de tanta espera. Aguardamos a música que descreves em curvas acima da montanha encantada pelo calor da estação. E ela vem, como um véu de faíscas imaginadas, envolvendo a paisagem com um novo estribilho. Canto contigo, estrela nua. Escuto a mocidade do amor, vitória régia. Pouso em ti como um pássaro na gruta. E faço uma oração para continuar aqui, no país que construo, longe do ruído que tenta nos enganar.
Vésper, cupido que usa flor e lança perfumes. Atenda minha oração, soberana que chega até nós com seu séquito de trunfos. Fique ao meu lado, estrela que adormece entre sussurros.
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