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20 de novembro de 2006
MONSTRUOSIDADES PARA ADOLESCENTES
Nicho é a palavra que a publicidade inventou para separar os corpos humanos como se fossem partes de um Frankenstein. Por isso existem tantos cadernos especiais, divididos em públicos alvo diversos, cada um no seu nicho. Isso facilita a captura de anúncios. Desde que os engomadinhos do marketing se tornaram publishers, as redações acabaram. O pseudo-jornalismo que se faz nesse partilhamento de gavetas humanas é aterrorizante. Vamos pegar o pior deles, o que se pretende ser para adolescentes. O caderno Folhateen já nasceu de uma contravenção: substituiu o Folhetim, do Tarso de Castro, que era um jornal alternativo dentro do jornalão, ou seja, criava uma janela de liberdade na grande empresa, o que, naturalmente, jamais se repetiria.
Há outra contravenção na origem do nome. Enquanto o nome encontrado por Nelson Merlin no dicionário, e que batizou mais esse jornal do Tarso, era um primor de brasilidade (essa coisa fora da moda, depois que partilharam o país em mil pedaços para que sua soberania fosse engolida), o que vamos abordar agora usa palavra estrangeira que se tornou lugar comum na publicidade, território anti-Brasil por excelência. Mas tudo isso não tem importância, é ranço de quem não se conforma com o fim do Brasil Soberano, essa idéia cada vez mais distante. O que pega é, digamos, o conteúdo.
Nem sei por onde começar. Nas páginas centrais sobre a banda Kiss, o editor do caderno expulsa os leitores que não forem fãs dos músicos. Ou seja, dentro do nicho teen, o nicho Kiss. No segundo parágrafo ele celebra o fato de que o texto está agora apenas entre os kissmaníacos. É brutal. Ele expulsa os leitores que querem saber do que trata a matéria e acha que isso pega, que as pessoas realmente vão deixar de ler porque ele mandou! Mas é um desplante sem igual. Logo depois de mandar os leitores ler a matéria sobre a série Lost, ele diz que a biografia é "um dos melhores livros de todos os tempos". A idiotia ágrafa, se ficasse limitada ao ego dos imbecis que a detém, não fariam tanto estrago. Um dos melhores livros de todos os tempos é dose para leão. Essa maravilha de livro destaca o quê? A ambição dos caras da banda mais sem vergonha de toda a história do rock, segundo a matéria. Esse repasse de valores cretinos para os leitores só não é um escândalo absoluto porque, acredito, quem pega o caderno para ler deve achar uma baboseira sem fim.
Na mesma edição, de 13 de novembro, mais duas páginas, uma para o Zé do Caixão, e outra para um festival chamado de Halloween do rock. Macabra é a palavra chave usada nas, digamos, reportagens. A dose de baixaria vai fundo, usando expressões como "não é para menos" e "diga-se de passagem". Ao longo do caderno lemos coisas como "por cada" e outras preciosidades. Na matéria sobre a soberba rapper que mudou o mundo da música para sempre, e que é uma contraventora, segundo o texto, que comete crimes culturais celebrados também com alegria no caderno, há duas vezes a palavra esperta. O que seria a poesia esperta que ela faz? Não tenho a menor idéia. Sem dúvida é para diferenciar da poesia trouxa, seja isso o que for. E numa coluna de conselhos e auto-ajuda sobre sexo e saúde, o tema é um vírus causador de verrugas na região genital e outras cositas más. Quer dizer, o jornalismo ligeiro abordando assuntos graves.
A capa da edição tem a seguinte chamada: Vestibular, tô fora! É sintomático: desistir de entrar na faculdade no momento certo (logo depois de terminar o segundo grau) para fazer outras coisas, é o típico conselho para o desvio de rota. A chance que uma criatura nascida no Brasil tem de sair da sua barbárie é entrar numa faculdade de qualidade, mesmo com tantos problemas que o terceiro grau apresenta hoje. Dar força para se mandar do compromisso é espichar a adolescência. São os teen forever, que adiam a idade adulta.
Tudo isso tem uma fonte: o sucateamento da educação promovido pela ditadura a partir do acordo MEC Usaid, que destruiu a educação humanista e colocou no seu lugar essa tralha de porcarias voltadas para o mercado. Hoje é possível fazer faculdade de Marketing de Hotelaria Voltada Para a Terceira Idade, mas tem gente escrevendo conhesço, assim mesmo, com s antes do cedilha. Eta nós.
RETORNO - Imagem de hoje: foto de Helcio Toth. A Terceira Idade é o adolescente de ontem.
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