29 de abril de 2006

ÀS ARTES, CIDADÃOS!





Precisamos entender a procissão de crimes que desfilam diante de nós todos os dias. Se não fizermos isso, o obscurantismo cuida da tarefa. A direita está cheia de argumentos poderosos para justificar a própria existência. Usa o caos não para achar uma saída, mas para poder existir socialmente, ou seja, dentro da cidadania em pânico. Começa pelo abandono dos bebês. Em séculos anteriores, crianças rejeitadas eram colocadas na roda do convento. Mais tarde, eram abandonadas na porta de famílias. Hoje vão para o lixão. A família se esgarçou, e com ela todo o tecido social. Filhos matam pais, pais matam todo mundo ao redor. Qualquer conflito é resolvido na faca e na bala. Adolescente agredido volta armado e dá três tiros na cara do desafeto. O cara cambaleia diante do táxi que iria pegar e cai. O assassino é filmado de costas se explicando. Pessoas que dão dois tiros à queima roupa na namorada não representam risco à sociedade, diz a Justiça. Onde está a fonte desses males e por que nada se resolve?

PULSO - Falta pulso forte, falta governo, clamam os saudosos da época em que tudo isso não podia ser noticiado. O problema é outro. Temos governo e ele está na mão da ditadura financeira, manipulada dentro e fora do país. Na política econômica não se mexe, pois mexer no rumo da bufunfa significa repensar o país e isso levará no mínimo uma geração. Repensar seria como fez o Japão no século 19, que parou tudo para cuidar da educação de toda a população. Mas o Japão é do tamanho do bairro Butantã e estava unido por língua e raça, por uma identidade nacional. A nós falta tudo. Nossos conflitos fundamentais continuam intactos. Um deles é a oposição entre centralismo e descentralização do poder. Outro é a divisão do país em guetos. O principal é que não nos identificamos com isso que chamam de brasileiro. O fosso está profundo demais, mas ele tem uma explicação lógica: a culpa não é da democracia, mas da ditadura, que continua em vigor. A elite civil saqueou as ruínas do país. Existe um poder voltado de costas para as necessidades da população. Há um verniz sobre a tragédia, a publicidade e o marketing e a mídia comprada. Qual a saída? Ninguém sabe. O mínimo que podemos fazer é entender o que se passa. É nos convencer que o problema é político, que não resolvemos a pendenga instaurada em 1964. Horror, dirá a direita. Bobagem, dirá a esquerda. Inverossímel dirá o centro. Pode ser, dirão os espíritos livres.

CAMPO - Vejam a agricultura. Cidades inteiras expulsam seus habitantes, deserdados do mínimo que era garantido pelas grandes plantações. A produção de alimentos decai. Voltados para a exportação de proteínas, pagamos agora caro depois de tantos anos de euforia falsa, pois a comida não chega de maneira suficiente para os brasileiros. São pobres porque não querem trabalhar, diz a direita. É um problema social, diz a esquerda. Precisamos extrair energia da biomassa, diziam os grandes projetistas. Esse vento servia para levantar pipa, agora gera energia, diz o presidente, na sua sucessão de alocuções estapafúrdias. Menos imposto mais emprego, diz a direita, de olho em mais butim. Enquanto isso, ninguém está a salvo. O trânsito pára em São Paulo, como mostrou o primeiro bloco da grande reportagem do Globo Repórter de ontem, liderada por Caco Barcelos, que convocou a nova geração de repórteres. Depois o programa entrou nas historinhas humanas e de serviço e perdeu sua majestade, mas é assim que se faz jornalismo hoje. Quando acertam a mão, logo vem a interferência. É preciso focar nos clientes. A imprensa não tem clientes, tem cidadãos que lêem e vêem. Mas Caco Barcelos continua nos deslumbrando com sua garra e talento.

FILME - Tive o privilégio de ver a apresentação do novo filme de Tabajara Ruas, que tem o título provisório de "O General e o Negrinho". Inspirado na famosa lenda O Negrinho do Pastoreio, o novo filme de Taba atinge o mais alto nível da sétima arte. Preparem os seus corações. Num relance, na ilha da edição, vi Miguel Ramos detonando. E é impressionante as presenças de Werner Schuneman (o general) e Tarcisio Meira Filho (o índio Torres), que fazem parte de um elenco de 36 atores. Na foto deste post, Taba dirige. O Brasil precisa da arte em sua grandeza, precisa de sobriedade e emoção, precisa de espírito civilizado pelo esplendor do humano. Precisa de livros que contem tudo, com todas as letras, de projetos bem sucedidos, de gente com capacidade de fazer. Isso serve para a política, a economia, a História. Às artes, cidadãos!

RETORNO - 1. Miguel Duclós faz reveladora análise sobre o mito da Estrela da Manhã e do Gênesis no seu blog. Miguel posta de vez em quando. Quando publica algo, é um arraso. 2. O texto Zona do Crepúsculo, de Daniel Duclós, é uma obra-prima de humor e literatura. Imperdível. 3. Eduardo San Martin me envia mensagem de Nova York e diz que o Diário da Fonte é jornalismo cultural de um homem só. E que devo procurar patrocínio. 4. Delmar Marques lê o texto "Os blocos de Mestre Bazinho", publicado aqui no DF e no meu site, e lembra suas farras carnavelescas. 5. No Comunique-se, Gustavo Werneck diz que minhas crônicas são poesia e História e que injetam ânimo nos jornalistas da nova geração.Elizabeth de Los Santos de Moraes diz que não vai ler mais meus textos, pois sempre chora com eles, o que é um dos maiores elogios que já recebi. E Ronaldo Amorim Santana, também nos comentários do Comunique-se, me envia um abraço saudoso, nós que nos encontramos a cada dez anos.6. O título desta edição não é inédito, mas fui eu que criei. Serviu para reportar a inauguração do Centro Cultural Fiesp na Revista da Indústria em anos passados.7. A foto, da Divulgação, faz parte de uma bela reportagem sobre o filme, de autoria de Geraldo Hasse, membro honorário e excepcional comentarista do Diário da Fonte, para o Jornal Já, de Porto Alegre.8. Meu texto "A arte por um fio", está desde hoje no La Insignia, graças a Urariano Mota e a Jesús Gómez.

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