12 de março de 2006

REALIDADE CONTRA ENGANAÇÃO





Abismado com o horror de mais um filme de Martin Scorsese, Gangues de Nova York, que foi ao ar neste sábado pela Globo, decidi não deixar barato, como sempre faço com o Grande Enganador. Antes decido dar uma volta na internet e descubro algumas jóias. A começar pela revista Argumento (http://www.argumento.net/) do RS, em que um dos editores é Paulo Kralik. Um bom espaço cultural que merece ser visitado. No site do adorocinema, Kralik desanca com o filme, apesar de admirar o diretor. Mas o que ele coloca é pertinente. A começar pela violência gratuita, a péssima direção de atores, a inexistente química no casal principal. Mas vou adiante. Gangues de Nova York é uma porcaria inominável por Scorsese ser o arrogante que é. Enfeixa uma serie de lugares comuns como se fossem arte. Começa pela velha fórmula Romeu e Julieta, o amor de duas pessoas de quadrilhas rivais. Continua com o cenário inicial que tenta imitar aquela estrutura de Oito e Meio, de Fellini, seguido de um narrador à moda do Mestre, como fosse possível imitar Fellini. E os cenários, os atores, meu Deus.

MAIZENA - Leonardo di Caprio não é só o ápice dos atores criados a maizena, é a própria maizena. Vocês sabem do que se trata: é aquele pozinho branco quase granulado sem gosto, que serve para fazer mingau. É um não-ator. O não-diretor aponta para os telespectadores e diz: este é o ator. Como seu personagem quer vingança, ele faz caratonhas e olhares de vingativo, forçando uma feição prognata (de queixo para frente) que não faz rir porque antes faz chorar por perdermos tempo vendo o filme. Daniel Day-Lewis, coitado, está tão ruim (ele que é um dos grandes atores da atualidade) que se esconde por trás de vasto bigodão. Está irreconhecível. Talvez por sentir o fracasso iminente, convenceu Scorsese de que precisava do moustache, mas é pura vergonha de aparecer. Há também essa conotação viada (homossexual é outra coisa) do cinema americano, que é a paixão dos fortes. No fundo, só agora os americanos admitem que o que vale para eles é o amor violento entre homens, mocinho e bandido no destaque, e amiguinhos em segundo plano (Zorro e Tonto, Tango e Cash e por aí vai). Os dois adversários se unem provisoriamente para depois explodirem em tragédia, tudo pontuado por facas sangrentas enormes e pontiagudas. Nos degraus que levam ao desfecho, há o amor impossível entre companheiros, que acaba em morte de um deles e outras quinquilharias. É terrível. Scorsese, que inventou o canastrão Robert de Niro, é o cineasta da atual crise do cinema mundial, feito de lugares comuns, estupidez e grossura. Finge que denuncia quando se locupleta com o horror que é viver nas cidades sem lei.

HAF - Expulsos do cinema, damos uma lida no excelente jornal Zero, dos alunos da UFSC, que tem como diretor de redação o competente professor Ricardo Barreto. Lá tem uma longa entrevista de Paulo Markun sobre seu novo livro, Meu amigo Vlado. Na internet, cisco uma belíssima entrevista de Milton Severiano da Silva, o Myltainho, no site de Luiz Maklouf Carvalho. Lá ele fala da revista Realidade, com detalhes e lembra o livro-reportagem de Hamilton Almeida Filho (apelido Haf) , A sangue quente: a morte do jornalista Vladimir Herzog (São Paulo: Alfa-Omega, 1978). Diz Myltainho: "Na verdade, A sangue quente foi uma carona que tomei do sucesso de vendas de A sangue frio, do Truman Capote ,sobre famoso crime nos Steites, uns bandidos que mataram uma família para roubar, crime reconstituído com minúcias pelo jornalista-escritor. Com A sangue quente batizei a reportagem chefiada pelo Haf, quando ele a publicou em livro, pela editora Ômega. No ex-, a reportagem se chamou simplesmente A morte de Vlado. Qualquer conotação que irritasse a linha dura podia levar-nos em cana ou ao túmulo. Colegas do sindicato vieram até a redação no dia do fechamento, pedir que não publicássemos nada. Foi patético. Nós, implacáveis, decididos a publicar, e os colegas jurando que estavam tentando nos proteger ao pedir que não publicássemos".

FUNDAMENTAIS - No blog português /, de Tiago Barbosa Ribeiro, leio sobre os portugueses fundamentais: "As piores memórias podem surgir quando menos esperamos. De acordo com o Público, a sub-directora-geral da Saúde afirmou que cem mil portugueses considerados fundamentais para o país, devido aos cargos que ocupam, vão receber antivirais em caso de pandemia provocada pelo vírus da gripe das aves». Isto apesar da vacinação universal estar incluída nas recomendações do plano de contenção da epidemia. Ficamos sem saber quais os critérios de inclusão nestes eleitos de Noé. Mas aposto que a sub-directora-geral da Saúde é certamente uma portuguesa fundamental".

RAIMUNDO - No mesmo site de Maklouf, espio a entrevista de Raimundo Pereira, que diz textualmente: "Acho que a reeleição do Fernando Henrique Cardoso se deu num quadro de sonegação de informações essenciais aos eleitores. E o próprio presidente é o principal responsável por essa falta. Ele passou semanas, antes das eleições, negociando, junto com seus porta-vozes na área financeira ? Pedro Malan, Gustavo Franco, Pedro Parente ? um acordo que acabaria promovendo a atual recessão que o país atravessa. Na campanha eleitoral, no entanto, falava de um outro programa de governo: na vez do social, da geração de empregos, etc. A imprensa só mostrou essa contradição em linguagem cifrada, através dos colunistas que noticiavam as negociações com os credores, praticamente clandestinas, abertas apenas para os altos círculos financeiros que até participavam delas. Aliás, alguns colunistas da nossa imprensa se transformaram nisso: repórteres dos grupos privilegiados. E uma massa até ampla de repórteres se transformou no contrário: em catadores de informações escolhidas para sustentar matérias definidas de antemão por teses em estoque nas redações".

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