31 de janeiro de 2006

O CHAPELEIRO LOUCO


Abrir o noticiário on-line é tomar chá com o Chapeleiro Louco, como faz Alice de Lewis Carrol numa das cenas mais conhecidas da literatura. O absurdo toma conta da conversa. Empresa neozelandeza envia comida de cachorro para crianças subnutridas do Quênia e dona fica ofendida com a recusa. "Eu mesmo como esses biscoitos de cães todos os dias," disse ela. "São um bom complemento alimentar". Mulher demitida dos Correios na Califórnia entra no seu ex-emprego e fuzila seis ex-colegas e depois se mata. Dois filhos de Francisco tem o desplante de concorrer ao Oscar e, claro, é eliminado na primeira chamada. São selecionados filmes de países como o Fimdomundistão, Rebimboca do Noroeste e Deupratitolândia. Brasil, o que é Brasil? perguntou um dia Charles Bronson, com aquela cara de matador. É um país que envia a gritaria inventada pelo marketing como representante máximo da nossa cultura. Governista cruel obrigava prostitutas de alto coturno a pegar notas de cem com os dentes. Imagino os jornalistas desovando essas barbaridades todos os segundos.

XADREZ - Depois tem as notícias sérias. Morre mulher de Martin Luther King. Irã reage à pressão dos EUA sobre a questão nuclear. Governo americano faz o que quer com informações sigilosas e a população está em pânico. O centésimo súdito da rainha da Inglaterra morre no Iraque. Virson Holderbaum me envia as fotos de 2005, selecionadas. Há várias sobre crianças nos funerais do pai, morto na guerra iraquiana. Brasileiro de 21 anos que era mariner morre numa explosão no interior do país invadido. Saddam Hussein sai furioso do tribunal que tenta condená-lo. Mais um chá? Hoje é dia do teu desaniversário. Há ainda as notícias da intimidade célebre. A cama de Angelina Jolie não será oficializada ainda com Brad Pitt. O que é Brad Pitt? Fez o papel do Coisa Ruim numa madrugada dessas da Globo. Fez também vampiro, gigolô e também clonou Robert Redford num filme do mesmo, em que loirinhos pescavam trutas com isca artificial diante de uma corredeira. Naqueles filmes de época amarelinhos, em que todo mundo usa colete e boné xadrez (é para caracterizar os anos 20).

CULPA - E Jolie? Roubou um filme (Interruped Girl) de Winona Ryder, que dá sopa para o Mal, quando seu negócio é outro. Winona é a melhor, por isso pirou. Ninguém suporta quem é melhor. Mandam para o país do Espelho, a beber chá com Alice. Little Women, lembram-se? Winona em plena Graça. Magnífica também em Garota Interrompida, mas Jolie resolveu aprontar. Levou o prêmio, de tanto exagero. Vi foto de Bradd Pitt na recente viagem politicamente correta de Jolie. Parecia uma sombra. O espírito atormentado não existe isolado. Ele precisa influir nos outros, no ambiente, quando torna-se o Mal. A paz de espírito é auto-suficiente e funda-se na certeza da vida eterna. Mas o Bem está fora de moda. Todos são do Mal, pois o Bem foi seqüestrado pelo mundo transformado em mercadoria. Vampirismo, neonazismo, crueldade pura e simples. Eu me sinto muitíssimo bem, diz o superior de Gian Maria Volonté em Investigação sobre cidadão acima de qualquer suspeita, filme de Elio Petri. Volonté confessa que matou e deixou pistas porque sentia culpa de ser tão mau. O chefe não sentia a mesma coisa? Não, diz o grandalhão, mi sento beníssimo.

CLEPTO - Fazer o Mal é o tormento o tempo todo. Winona entra na loja e leva o que pode mas não deve. Precisa exercer o Mal para sentir-se incluída. Para vingar-se de amores traídos e colegas facínoras. Faz força para não parecer mulherzinha. Mas seu talento está acima de qualquer etiqueta. É que não existem mais filmes para trazê-la de volta, apenas a catequese da danação. Por isso a convidaram para Dracula, com o mancebo Brad Pritt e o metrossexual Tom Cruise. Ela tentou fazer um filme sobre loucura. Convidou Jolie, que entregou-se ao happening da piração.

HOME - Let´s go home, Debbie, diz, no fordiano The Searchers, John Wayne para o anjo Natalie Wood, pré-reencarnação de Winona. Transfigurado pela obsessão da vingança, John Wayne se civiliza com o reencontro da sobrinha perdida. Cansei de ser mau. Vamos para casa.

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