15 de novembro de 2004

AS PESSOAS SÃO A CULTURA


Na longa entrevista que Paulo Markun, eu e Marco Celso Viola demos para a TVE do Rio Grande do Sul, e que foi ao ar ontem às 18 hs., falei de cara que a cultura são as pessoas e que os livros são apenas as vitrinas da criação de algumas dessas pessoas. É uma concepção diferente de encarar todo o evento pela sua parte, ao aspecto comercial apenas. O encontro entre autores/leitores é o vetor principal dessa idéia, que esteve muito bem representada no grande acontecimento cultural de Porto Alegre que acaba hoje. Pois a organização da Feira deu vez e voz a todos que se encontraram nos inúmeros debates programados, entre eles, o do lançamento do meu romance Universo Baldio.

CONVÍVIO - Na praça da alimentação, conheço pessoalmente, enfim, Tailor Diniz, o cara que rompeu o bloqueio da críticas e fez a primeira resenha exclusiva sobre um livro meu em vinte anos. Discreto, elegante, tranqüilo, brilhante, Tailor encanta todos que o conhecem. Não bastasse seu enorme talento, que produziu várias obras, entre elas o romance Um terrorista no pampa, lançado na Feira, Tailor encarna a civilidade perdida no Brasil, aquela que agrega pessoas ao redor e que, sem nenhuma pose, propõe o mútuo reconhecimento.Leitor atento do trabalho alheio, no debate Tailor nos brindou com um magnífico travelling de Universo Baldio, resgatando personagens e falas, numa síntese aprofundada da obra. O que mais pode desejar um escritor? perguntei logo depois da sua intervenção. Ele me prometeu enviar o que ele chama de improviso competente e que eu digo ser a mais completa crítica já feita sobre minha literatura, o que será reproduzido aqui no DF. Conheci também na mesma da praça da alimentação, essa figura maravilhosa que é Julio Conti, dramaturgo importantíssimo, que fez grande sucesso em todo o Brasil e no Exterior com suas peças, entre elas a já clássica Bailei na curva. Conti é a inteligência produzida por essa cidade cultural que é Porto Alegre e sua conversa tem o dom magnético de nos levar para vários cenários. Receptivo a toda verve que atravesse seu caminho, demos boas gargalhadas falando de teatro, livros, idéias, num momento de inesquecível convívio. No debate, Julio nos deu a honra sua presença e, de quebra, levou um exemplar do meu romance para ser autografado.

RESGATE - Revi Marco Celso depois de três décadas e meia. Chegou no hotel completamente algariado, segundo sua própria descrição (a palavra, eu desconhecia). Entusiasmado com nosso reencontro e com a perspectiva de colocar na rua seu grande livro de poemas, Marco Celso fez o que sempre se espera dele: traçou novos planos, propôs projetos e já cobrou resultados. Sua liderança nata o leva para todos os tipos de realizações e é um prejuízo enorme para o Brasil que toda sua força não seja canalizada para grandes projetos. Tanta gente medíocre tocando coisas importantes e Marco Celso fica de lado. Mas essa fase está acabando. Outra pessoa de quem estava afastado por 15 anos é Cláudio Levitan, o talento insuperável de todas as artes e que está pronto para lançar novo CD, depois do seu já clássico A Longa Milonga (que foi tema de um post aqui no DF). Levitan não mudou nada, parece aquele cara de sempre, não perdeu a forma, nem o sorriso, nem a contundência. Notei em Porto Alegre (ou recordei) a força da política na vida das pessoas. Elas realmente se envolvem com a luta ideológica e política, não é como em muitos lugares, em que viramos observadores das atividades alheias. Cheguei a testemunhar, na sexta-feira, dia 12, uma passeata de funcionários públicos, que aos berros atravessaram a Rua da Praia, seguidos pela Brigada Militar. Parecia, juro, 1968. Como o centro de Portinho continua o mesmo, foi realmente uma viagem no tempo.

PRUDÊNCIA - Estavam todos lá. Oliveira Silveira, o poeta pioneiro da negritude naquelas plagas que o resto do Brasil gosta de confundir com uma porção da Germânia, compareceu com seu testemunho e com uma obra mimeografado de 1972, o que deixou um dos responsáveis por esse projeto, Marco Celso, louco para colocar a mão. Mas Oliveira Silveira, pessoa prudente, achou melhor continuar guardando o documento, já que eu e Celso somos incapazes de manter as provas do nosso pioneirismo cultural. O poeta Luiz de Miranda veio nos ver e participou do debate, ele que quase foi patrono da Feira este ano (perdeu a votação para o grande professor e escritor Donaldo Schüler, para quem tive a honra de autografar um livro). Caramez, poeta e produtor, chega com seu novo livro de poemas, com apresentação de Luis Fischer e orelha escrita por mim, e com ele aportam também novas propostas, idéias, projetos. Bebeto Alves me trouxe naquele dia os exemplares da terceira edição da revista Fronteira, que criamos juntos e que já é um sucesso. Bebeto está em grande atividade e é o responsável por mais uma Feira do Livro em Uruguaiana, que será realizada no fim deste mês. Nazaré de Almeida, poeta que esteve conosco na divulgação de um trabalho emergente em plena ditadura, a escritora Tania Faillace e várias outras pessoas foram até lá levar suas presenças, depoimentos e retornos. Foi para mim um momento histórico, esta feira em que conheci novas obras e autores, dos quais voltarei a falar aqui no DF.

RETORNO - Graças ao editor Michael Kegler, está no ar a primeira resenha internacional sobre minha literatura. Um texto em alemão sobre Universo Baldio (e sobre outras duas obras da W11) foi publicada na revista virtual Nova Cultura. Reproduzo o texto aqui: Letzteren beschreibt der Dichter und Historiker Nei Duclós in seinem ersten Roman Universo Baldio. Es ist ein Roman, dessen Entstehung Jahrzehnte benötigte, und der sich nicht nur darum in zwei Teile gliedert: die Zeit der verzweifelt / fröhlichen, bekifften Kommune, in die sich die Protagonisten nach den ernüchternden Erfahrungen mit staatlicher aber auch gesellschaftlicher Repression geflüchtet haben, und den jüngeren Teil in der «jetztzeit», in der der Protagonist (dessen biographische Parallelen zum Autor unübersehbar sind), sich auf die Suche macht nach den Wurzeln des brasilianischen Dilemmas, das sein persönliches ist, das seiner Familie, das seiner Geschichte und das eines Landes, in dem Gewalt und Haudegentum Grundtugenden zu sein scheinen. Universo Baldio (deutsch in etwa: Vergebliches Universum) ist ein sehr poetisches Buch, das vor allem im zweiten Teil Züge einer beunruhigenden Halluzination annimmt, oder, wie Urariano Mota (selbst Autor des unbedingt lesenswerten und von der Thematik nicht unähnlichen Romans Os Corações Futuristas) in seiner Rezension schreibt, ein acid-trip mit sehr realem Hintergrund und Protagonisten, deren Suche und Verzweiflung echt ist.

Nenhum comentário:

Postar um comentário