17 de julho de 2004

ISTO NÃO É UM BLOG



O Diário da Fonte é um jornal, que utiliza uma ferramenta da Internet, o blog, que por sua vez pode ser batizado, no caso, Outubro, em homenagem à mitologia que foi adaptada para a vida pessoal quando decidi mudar de faculdade na primavera de 1967, o que gerou mais tarde meu livro de estréia com esse nome. Nos arquivos, são 271 posts, o que é uma enormidade sem fim. Sem contar meses e meses de edições iniciais que já não estão mais no ar. Formam, no seu conjunto, um ou mais livros, que um dia serão impressos. Talvez apenas uma antologia, dividida em assuntos-chave, como jornalismo, memórias, política ou simplesmente literatura.

IMAGINAÇÃO - Conceitos aqui lançados já correm soltos na internet. Outros podem ser enfeixados num curso de jornalismo, baseado numa conceituação a partir da experiência na grande e pequena imprensa. Publiquei aqui textos que lavaram minha alma apesar das tragédias que eles descrevem, como a série de réquiens para Leonel Brizola ou a homenagem a Marlon Brando. O Diário da Fonte é definido como um exercício de imaginação, como se pudéssemos reproduzir na rede o jornal que gostaríamos um dia de voltar a ler. A conquista de leitores tem sido gradual e muitas vezes árdua, ou seja, difícil, mesmo sendo sempre prazerosa. Difícil porque custei a pegar a embocadura da pauta e muita gente me ajudou a direcionar os assuntos, ou melhor, a focar a abordagem para que o DF não se perdesse por aí, como normalmente acontece com espaços virtuais. Um jornal diário, como é este aqui, não pode se dar o luxo de ser um querido diário, pois isso diria respeito a um número muito reduzido de pessoas. Vejo a média de leitores daqui, uns 60/dia (eram dez no início, lembram?), uma vitória, pois não fazemos nenhuma divulgação, o DF jamais foi citado em parte alguma, a não ser em blogs de pessoas que gostam ou simpatizam com o trabalho. Aliás, isso tem sido uma constante. Tenho uma produção autoral que parece fantasmagórica. A imprensa divulga tudo, menos meus livros, tudo, menos meu site ou blog, tudo, menos veículos que crio e que são o maior sucesso, como a revista da Fiesp, que ganhou citação zero na imprensa. Alguns jornais me divulgam, mas nunca os grandes jornais. Há um pacto de silêncio. Redações onde deixei os melhores anos da minha vida, os da juventude, me ignoram. Em compensação, como gostam de celebrar nulidades! Vejo cada coisa. E essas nulidades, de tanto serem citadas impunemente, viram por sua vez, coisa. Parem com isso. Mandem notícia do lado de lá.

LIÇÃO - O título desta edição é uma homenagem a Magritte. Todo mundo sabe disso, mas é bom deixar claro para que ninguém esqueça a lição desse mestre, que ao desenhar um cachimbo ensinou que aquilo era um desenho, não um objeto. Talvez essa seja a mais popular e contundente lição de percepção de linguagem existente até hoje. Existem infinitos desdobramentos, como no caso do pintor que expôs um quadro representando uma mulher, toda pintada de verde, e recebeu um insulto como comentário: mas isto não é uma mulher! disse o espectador indignado. Claro que não, respondeu o pintor, é um quadro. Como isso serve para o jornalismo! Confunde-se jornalismo com o objeto de abordagem. Jornalismo é mídia, é linguagem, jamais economia, arte, cultura ou política. Ser comentarista esportivo ou de economia é onde o bicho pega com mais freqüência. Pode haver maior craque do que Raí, um atleta bem sucedido e tal? Pois quando ele fala na TV é um desastre. E o Silvio Luis, pode haver maior perna de pau? Mas ele é o criador de bordões esportivos inesquecíveis. Pois é Silvio Luiz que está certo, não o Casagrande. O Casão e o Raí até pode tornar-se bons comentaristas esportivos, mas não por ter sido atletas. Você, que esteve lá, Falcão, diga como é essa coisa, diz o impoluto Galvão Bueno. Pode ser um bom depoimento, mas não é jornalismo. Jornalismo é a pergunta, sempre a mesma, do Galvão, por isso ele é tão redundante, porque sempre diz a mesma coisa. E o que dizer do Rivelino? Meu Deus! Mil vezes o China, o Juarez Soares, que nem deve saber chutar uma bola. Na economia, os comentaristas, dito especialistas, fingem que são economistas. Não são. São atores. E bem canastrões, pois acreditam no próprio script.

INVERNO - O mar gelado de chumbo, a chuva fina quase neve, o anoitecer abrupto às cinco da tarde, o encolhimento geral de gaivotas, corujas e urubus, os aluninhos todos encapotados em direção à escola na rua de barro, o impenetrável céu cinza, a falta total de côco verde nos sacolões, o pés que nunca esquentam, a cabeça que vira picolé, tudo isso é a ilha em pleno julho. Depois dizem que aqui vive-se na flauta. Vive-se num freezer. De vez em quando, o sol abre e é aquela festa. Aposentados caminham na praia. Montes verdes exibem-se à luz do dia. Pescadores vigiam o mar. Bicicletas por todos os lados. Tudo faz sentido até a próxima friaca.

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