10 de dezembro de 2011

A PALAVRA QUENTE DO POEMA


Nei Duclós

Além dos poemas de amor, que fazem um livro à parte, estou escrevendo um longo romance em prosa poética, que posto diretamente no facebook e no twitter. O que vem a seguir faz parte desse outro livro inédito, que os amigos das mídias sociais e os leitores deste blog e do site tem acesso com antecedência. A postagem múltipla nesses espaços virtuais indica minha autoria para essas obras.

Esperas a palavra como o pão que tarda. Ela chega quente, embalada. Desembrulhas e vês o sopro da noite alta borrifando de manhã a carne exposta

Mãe pergunta se hoje não tem poema, disse a garota. Não, mas leva esses versos. Mistura e põe na mesa. Alguém há de chorar, disse o padeiro

Adormeceste tarde, quando eu já tinha escapado no escuro. Ficaste boiando no vazio e por isso tens esse rosto de anjo na manhã de chuva

Tinhas reunião cedo por isso deixaste teu coração me vigiando. Acordei com o pulso de um beijo enviado por ti a distância

Estás cercada de despedida. Preciso arrancar cada pergaminho colado em teu vestido. Eles dizem adeus no espaço onde vou inaugurar um incêndio

Não conheci o mundo, mas cheguei perto. Fiquei preso na fronteira, amarrado ao meu coração deserto. Por sorte te vi, flor da pedra

O dia em que o céu negar a gota que te alimenta, flor do cardo, baterás teus sinos prejudicando as asas. Só eu te escutarei, melindrosa

O orvalho desistiu de ti quando choraste. Já tinhas água. Fiquei só, esmigalhando pétalas molhadas com minha bota

Não era para ficar aqui, morto de saudade. Mas alguém mencionou teu nome e vim rever a praça onde nosso amor mora

Lembra da Lua? Exilou-se na primavera, como aquelas viajantes batidas pelo vento no convés de cruzeiros absurdos

Não se insurja contra algo que você não percebeu claramente. Não intensifique a prisão do seu isolamento. Consulte o amor, pintor de paredes

É fácil me acusar de algo que está acumulado em tua vivência. Não faço parte da tua obra, a não ser que gostes de novos projetos, arquiteta

Desisti de me aproximar de ti, me conformei. Só me perdoa, nesta cerimônia mal assombrada, por pisar na longa cauda do teu branco vestido

Perdi você antes do vôo. Não estavas mais na lista dos passageiros. A bordo, olhei para fora e te vi na nuvem, anjo. Cansaste de ser humana

Todos foram embora e ficamos nus na praia à mercê do tufão. Nos agarramos e fechamos os olhos. E rodopiamos até virarmos pó, tesão

Mesmo depois de partir, estavas comigo. O reencontro se deu por força desse destino, traçado por ti como um beijo demorado

Quem segura essa paixão feita de pólen, com o açúcar extraído de um coração que não desiste, e borrifado pelo perfume das estrelas?

O sonho não estava solto no ar. Mas em lugar sabido, onde pulsa a disforme condição de criaturas que não vivem sem amor

Te lembro alguém, de algum lugar. Mas é ilusão. Sou aqui e agora e agarra essa chance. Não porque precises, mas porque me salva

Você me enlouquece. Melhor dizer para o vento que o tempo precisa parar um instante para que a eternidade tenha acesso a si mesma

Não tens culpa de seres tudo. E que qualquer gesto, mínimo, me reacenda a esperança de um amor que contava perdido. És minha ilusão favorita

Renasces em mim dizendo apenas que me escuta. Teu silêncio não germina o desencontro, antes o abastece

Fico surpreso quando vejo teus sinais na estrada onde durmo. És tu? pergunto. Meu sonho oculto. Onde medra esse amor infinito?

Falarei de maneira explícita, se quiseres. Direi o que sinto em cartazes imensos. Passarás indiferente pelo que sangra, minha flor de cardo?

Não faz sentido ficarmos longe até mesmo nas palavras. Gire para mim a biruta de teu corpo. Que a alma já peguei entre meus salmos

Mal acordas e te espero com meu verbo. Como se fosse possível viver disso. E nada mais importasse a não ser o prazer da letra exposta


RETORNO – Imagem desta edição: Lord Frederick Leighton : The maid with the yellow hair.

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