25 de dezembro de 2011

ADIVINHO QUE TE AMO


Nei Duclós

Joguei conchas, li as cartas, pesquisei na borra do café. Não para te decifrar, mas para adivinhar que te amo

Palavra não tem vaidade, não gosta de elogio à toa. Se maquia quando tem vontade, não quando a obrigação dá as cartas.

Romantismo é pedreira, não esse derramamento de jarro. Esse puxa-saquismo da palavra amor, que tenta seduzir pela falsidade

Poesia amorosa é perda de uma parte sua e não um bibelô na sala. É viagem de camelo pela África, não uma ida ao shopping

Toda “dizida” metida a amorosa que olha de esguelha o efeito das suas palavras em quem lê pode apostar: é fria

Demagogia com mulher, então, é praga. Ou você admira e se rende ao abismo e ao enigma, sem tentar dar dicas e piscadinhas

Amor é uma coisa bruta, que te derruba. E ao cair, você mergulha na doçura

Mulher é fresca, mas não frescura. É doce, mas não água-com-açúcar.E pode se tudo isso, desde que você não se meta a entendê-la, cavalgadura

Por que não posso ir? perguntou a Sereia. Porque é em terra firme, não em alto mar, disse Jack o Marujo. Chão bruto em vez de escama, tropeço e não mergulho

Que amor é esse que ameaça? Não há amor quando se toma

A ilha faz tempo bom quando logo cedo no verão o dia tem aquela consistência de ouro antigo, como se a luz do outono viesse pegar praia

Um belo dia os pássaros anunciam que podemos visitar o horizonte, que chegou até a orla para se espreguiçar

Não lido com o amor, não é expediente. Normalmente me atrapalho. Não aprendo nunca. Sabe onde fica a dor? Moro em frente

Voltei correndo para a rua onde vivíamos. Fico por aqui, contando os pingos da chuva. Um dia apareceste do nada, molhada por um sorriso

Passei uns dias sem amor. Quando acordei, estava atirado num canto do cais. De um navio, meu coração abanava como louco

Fui dez vezes na parada de ônibus, achando que vinhas. Só desciam sapatos, nenhum pé com tua cicatriz de infância

Não estranhe. Voltei ao meu normal. Quando te amo

Fechei para balanço. Não adianta insistir dizendo que ainda há tempo. Estou voando junto com quem eu quero tanto

Ali no canto, pode pegar. É o que sobrou de um relacionamento. Dois sonhos pisados, uma ametista fosca e um anel feito de cartolina

Passe depois, então. Fico esperando. Há um banco que ninguém senta.É o do nosso encontro, quando vestias aquela blusa cor de vinho sangrando

Nada de drama, concordo.Lágrima é fóssil de museu que ninguém visita. Vamos adotar a cara de paisagem, cheio de estrelas mortas dentro

Vá embora, estou chorando. Nenhum amor sobrevive se houver piedade. Prefiro que me mates com teu beijo



RETORNO – Imagem de hoje: Eva Mendes

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