28 de dezembro de 2011

CONCHA DE ORVALHO


Nei Duclós

Toquei tua mão em concha. Estava cheia de orvalho. Nela bebi toda a manhã sem secá-la

Quando chegamos lá no alto, você apontou o horizonte. Era uma forma de me dizer que nosso amor enxerga longe

Estou proibido de te admirar. Extrapolei a cota

Mais uma dessas e acabas comigo. Precisas me preservar, sou feito de material antigo, disse o veterano na porta da donzela

Se tivesses a imagem que faço de mim eu ficaria tranqüilo. Mas tens exatamente o oposto. O homem presente com uma flor trêmula na mão

Devo fechar o estabelecimento.O escritório só volta em janeiro. Meu medo é que o teclado continue funcionando sob o comando do coração

Peguei o ônibus errado e precisei descer. Por acaso, dei de cara com você, que fingia curtir a balada. Tínhamos a marca do amor perdido

Faltaste ao encontro e mandei a fatura para o teu endereço. O pagamento não pode atrasar. Um beijo molhado todo mês, até a eternidade

Cumprimentos efusivos são despedidas. Um oi rosnado é quase um encontro

A ressaca do esforço gasto em reuniões familiares forçadas deve ter alguma influência nas estatísticas das estradas

Arte não é a beleza, mas a sua homenagem. A beleza é você

Amigo, disse ela, cortando um bife do teu coração e servindo na mesa comum

Nos vemos por aí, disse ela para reforçar a falta de compromisso. Nem ouviu o tilintar do anel sumindo pelo piso

Foi bem legal, ela disse sobre o mais importante momento da tua vida. Vamos repetir? gritaste. Outra hora, ela falou, dobrando a esquina

Todos te cobram, menos ela, que anda sumida. Fiel a esse amor, permaneces mudo, como um pássaro que assiste o apocalipse

Falta pouco, disse o anjo. Tudo está pronto. Deixa virar o ano, transbordar os rios, cair as pontes.Aí ela virá,com sua mochila de assombros


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Paul Chabbas

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