29 de dezembro de 2011

ABISMO


Nei Duclós

Quando o aceno não se renova, ele parece aqueles lenços que vão sumindo na névoa conforme vamos nos afastando do cais

Me empresta teu ombro? Depois devolvo, sequinho

Treinamos o silêncio nas brigas. Toda vez que voltamos, faltava uma porção de entendimento. Tinha ficado para trás

Agora que o expediente do ano acabou, sonhe com o próximo, quando viveremos a fantasia de sermos um só

Até quando acordarei contigo me vendo pelo vidro do destino? Terei sumido desde que te vi e ando perdido como um zumbi entre as orquídeas?

Já dei um tempo e agora cobro a conta. Abra esta porta, desejada

Você fez de tudo para me colocar na rede. Mas sou muitos e fui me reproduzindo, sempre liberto dos nós das tuas armas. Te caço onde não moras

Se ficar vazio, não diga nada. Olhe para as paredes. Hiberne. Há neve por todo canto. Onde estás, longe/perto? Volta

Remorso corrói o amor e deixa o osso à mostra. Mas o sentimento tem estrutura e se articula. És a coluna e eu a dor, insubstituível

Cedi onde não devia e ter perdi mais uma vez. Quem te trará de volta, ventania?

Fui atraído pelo que não tinha só para fugir de ti, pastora. Agora uivo sobre o deserto sem Lua . Peço socorro

Por isso estou vazio, porque me afasto quando te aproximas. Sou aquele passo pelo avesso, que finge andar quando no fundo se retira

Agora é tarde demais, porque estás ferida. Esse é meu desespero: saber que me querias e eu preferi o corte. Minha alma não existe

Nunca soube amar como deveria. Não freqüentei a escola do sentimento. Fui reprovado em todos os encontros. Até que surgiste

O silêncio voltou. Isso pega

Que importa o sentimento,dolorosa? Ninguém dá bola. Achei que poderia me misturar à indiferença. Mas sou feito de ti, carnívora

Aquela corrida final dos filmes em que tudo dá certo é só cinema. Na vida real, o avião parte contigo e eu fico preso na avenida

Fugi e fui punido. Não haverá mais uma chance. O amor esgotou sua cota. No fundo foi o que cavoquei: meu exílio. Adeus, esplendor

A não ser que eu me aprume e dê o pulo para o voo definitivo em tua direção. Me aguarde, abismo


RETORNO – Imagem desta edição: Rachel Weisz

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