ANTONIONI, O OLHAR NO DESERTO
Com sua voz mansa de ninar o Papa, a correspondente da Globo na Itália, Ilze Scamparini, não se saiu mal no necrológio de Michelangelo Antonioni, que morreu na segunda-feira passada, no mesmo dia em que Ingmar Bergman também se foi. Scamparini empresta um equilíbrio nos assuntos que aborda, como se fizesse parte da aristocracia européia, mascarando uma secular indiferença com um olhar compassivo diante do mundo em ruínas.
Embarcamos nas suas palavras sem nos dar conta de que ela se apóia muitas vezes em evidências suspeitas, em lugares comuns embalados como um consenso de elegância, último reduto da civilização, mantida como um talismã em bolsos de esplêndidos casacos. Ela afirmou, baseada na crítica não identificada, que Antonioni teria inventado a “interioridade” no cinema. Isso coloca no lixo todo o expressionismo alemão, de Fritz Lang e companhia, filmes estupendos em seus mergulhos psicológicos como O Vampiro de Dusseldorf, sem falar em gigantes do início do cinema, como Aurora, de Murnau, em que a alma e a paisagem, o ethos dos personagens e as imagens do mundo rural ou urbano, confluem para uma percepção profunda das tempestades humanas.
Acho exagero colocar no colo de Antonioni, que teve a coragem de romper totalmente com o cinema espetáculo em seus filmes, que influenciaram aqui um Walther Hugo Kouri, toda a carga da intensificação interior do cinema. Como se a sétima arte fosse um travelling de superfícies até chegar Antonioni com seus gestos e olhares parados. Meu Antonioni favorito é O Deserto é Vermelho, com essa atriz magnífica que é Mônica Vitti, a rouquidão se debatendo no fim do mundo. A composição entre cor, cenário, ação e mente dos personagens são deslumbrantes neste artista que se foi aos 94 anos, depois de muita arte e sofrimento.
O destaque de Scamparini fez lembrar a boutade da noite anterior, também no Jornal da Globo, em que Arnaldo Jabor afirma ter Bergman atingido no cinema o nível alcançado por Kafka ou Tolstoi na literatura. São afirmações convincentes, mas que podem sucumbir se invocarmos algumas implicações e desdobramentos. Por mais que o cinema evolua, se aprofunde, jamais será como a literatura, que é outra coisa. São universos incomensuráveis entre si, mesmo que se auto-alimentem muitas vezes. Já com Grifith, com todos os seus equívocos politicamente incorretos em O nascimento de uma nação, o cinema já voava alto, já exibia uma obra considerável.
Dizer coisas definitivas, mas inconsistentes, na hora da morte dos gênios, é uma tentação a qual sucumbem as estrelas televisivas. Mais apropriado é ler Luiz Carlos Merten no Estadão, que no seu adeus a Bergman colocou a contradição do cineasta que foi ao mesmo tempo celebrado e ignorado, um paradoxo que só especialistas como Merten podem lembrar na hora do vamos ver.
Cinema é complicado, vasto e tem mais de um século de desafios. Precisamos dos especialistas, dos que escrevem todos os dias sobre filmes, os que se formaram em cineclubes e enfrentam todo tipo de barra, do blockbuster ao cinema malaio. Senão podemos ficar à mercê dos necrológios televisivos.
Acredito que Antonioni foi um olhar no deserto: impregnado da secura, da indiferença, do pânico mudo de estar vivo num mundo que se auto-destrói. Mas também uma prova do que é possível fazer mesmo quando tudo chega ao fim. Tudo inspira em Antonioni, que nos ensina a respirar quando falta ar. Muitas vezes ele nos assustou, como em Blow Up, um filme definitivo que, acredito, criou novos rumos para o cinema. Enxergar o crime significa não apenas capturar a imagem oculta, mas lutar pela percepção massacrada pelo hábito.
Embarcamos nas suas palavras sem nos dar conta de que ela se apóia muitas vezes em evidências suspeitas, em lugares comuns embalados como um consenso de elegância, último reduto da civilização, mantida como um talismã em bolsos de esplêndidos casacos. Ela afirmou, baseada na crítica não identificada, que Antonioni teria inventado a “interioridade” no cinema. Isso coloca no lixo todo o expressionismo alemão, de Fritz Lang e companhia, filmes estupendos em seus mergulhos psicológicos como O Vampiro de Dusseldorf, sem falar em gigantes do início do cinema, como Aurora, de Murnau, em que a alma e a paisagem, o ethos dos personagens e as imagens do mundo rural ou urbano, confluem para uma percepção profunda das tempestades humanas.
Acho exagero colocar no colo de Antonioni, que teve a coragem de romper totalmente com o cinema espetáculo em seus filmes, que influenciaram aqui um Walther Hugo Kouri, toda a carga da intensificação interior do cinema. Como se a sétima arte fosse um travelling de superfícies até chegar Antonioni com seus gestos e olhares parados. Meu Antonioni favorito é O Deserto é Vermelho, com essa atriz magnífica que é Mônica Vitti, a rouquidão se debatendo no fim do mundo. A composição entre cor, cenário, ação e mente dos personagens são deslumbrantes neste artista que se foi aos 94 anos, depois de muita arte e sofrimento.
O destaque de Scamparini fez lembrar a boutade da noite anterior, também no Jornal da Globo, em que Arnaldo Jabor afirma ter Bergman atingido no cinema o nível alcançado por Kafka ou Tolstoi na literatura. São afirmações convincentes, mas que podem sucumbir se invocarmos algumas implicações e desdobramentos. Por mais que o cinema evolua, se aprofunde, jamais será como a literatura, que é outra coisa. São universos incomensuráveis entre si, mesmo que se auto-alimentem muitas vezes. Já com Grifith, com todos os seus equívocos politicamente incorretos em O nascimento de uma nação, o cinema já voava alto, já exibia uma obra considerável.
Dizer coisas definitivas, mas inconsistentes, na hora da morte dos gênios, é uma tentação a qual sucumbem as estrelas televisivas. Mais apropriado é ler Luiz Carlos Merten no Estadão, que no seu adeus a Bergman colocou a contradição do cineasta que foi ao mesmo tempo celebrado e ignorado, um paradoxo que só especialistas como Merten podem lembrar na hora do vamos ver.
Cinema é complicado, vasto e tem mais de um século de desafios. Precisamos dos especialistas, dos que escrevem todos os dias sobre filmes, os que se formaram em cineclubes e enfrentam todo tipo de barra, do blockbuster ao cinema malaio. Senão podemos ficar à mercê dos necrológios televisivos.
Acredito que Antonioni foi um olhar no deserto: impregnado da secura, da indiferença, do pânico mudo de estar vivo num mundo que se auto-destrói. Mas também uma prova do que é possível fazer mesmo quando tudo chega ao fim. Tudo inspira em Antonioni, que nos ensina a respirar quando falta ar. Muitas vezes ele nos assustou, como em Blow Up, um filme definitivo que, acredito, criou novos rumos para o cinema. Enxergar o crime significa não apenas capturar a imagem oculta, mas lutar pela percepção massacrada pelo hábito.
RETORNO - Imagem de hoje: Monica Vitti em "L´Aventura", de Antonioni.
REVELAÇÃO DO DIA - Presidente dos ricos: "Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, posso garantir que foram os que ganharam muito dinheiro neste país, no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar mais zangada, porque ela teve menos do que eles tiveram. É só ver quanto ganham os banqueiros, os empresários, e vamos continuar fazendo política sem discriminação. A única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Porque eles ganharam dinheiro como ninguém no meu governo". Falou e disse. Depois não digam que a mídia está perseguindo.
REVELAÇÃO DO DIA - Presidente dos ricos: "Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, posso garantir que foram os que ganharam muito dinheiro neste país, no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar mais zangada, porque ela teve menos do que eles tiveram. É só ver quanto ganham os banqueiros, os empresários, e vamos continuar fazendo política sem discriminação. A única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Porque eles ganharam dinheiro como ninguém no meu governo". Falou e disse. Depois não digam que a mídia está perseguindo.
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