Vida vidinha é assim: há tanto Deus, que Deus transborda. Acaba virando fonte, que são as chances oferecidas por Adélia Prado à visita do gentio (os que não fazem parte do seu universo). O leitor vai da sala para o fogão, do quintal para o enterro, da reza para a imprecação. É a comunhão com criaturas que se fartam de religião e vivem na solidão de seus pecados, indizíveis. Adélia Prado rompeu esse silêncio com sua poesia única, que impregnou a literatura do que mais lhe faltava: a mulher mesmo, e não o apêndice lírico do devaneio noturno. Hoje fica fácil enxergar o que uma brasileira sabe sobre Deus e o mundo, já lemos e relemos Adélia Prado. É o que se pode dizer uma poesia clássica: voltamos a ela sempre que perdemos o rumo da nacionalidade. A poeta nos traz de volta ao Brasil profundo, não o que a geografia ou a História mostra, mas o que um corpo sábio experimenta.
Casas antigas, daquelas que tinham retratos ovais de homens e mulheres de rostos sérios, de bebês sorridentes com topete
O que molha e não é água é o amor, que ela coloca no altar, acima de Deus, que pode se manifestar na cozinha. O amor é o luxo que desembesta a vidinha. O sentimento faz a vida ter sentido e mesmo que tudo seja só rotina, quando há amor, mesmo esmigalhado por manifestações externas brutas, há esperança e eternidade. Um recado simples proporcionado pela intensa elaboração do ser antes da poesia, do talento antes de escolher o poema, da inventora antes de saber-se escritora ou imaginar-se real com o livro posto.
Vida doida, de Adélia Prado (Alegoria, 78 pgs.), com ilustrações de Ana Viola, que faz parte da coleção Palavra e Arte, é sobre a alegria convivendo com a dor: doida, doída. É uma antologia que nos resgata o melhor da poeta e abre as portas para uma visita aos seus supremos redutos.
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