3 de janeiro de 2007

ENTREVISTA RELÂMPAGO




O poeta Marcelo Ariel fez esta entrevista comigo e publicou no seu blog Teatrofantasma. Reproduzo aqui para os leitores do DF.

Por que você escreve?

Nei Duclós: Lembro o primeiro dia em que comecei a escrever. Tinha acabado de chegar de uma longa temporada na praia.Para quem nasceu e foi criado numa cidade que fica no meio do pampa, o mar revelou que existe uma paisagem neste mundo parecida com a que te cerca - lisa, poderosa e infinita -, mas com uma diferença fundamental: ela é livre, mutante e pode jogar no teu corpo a água misteriosamente fria num tórrido dia de verão.Quando entrei no mar pela primeira vez, enfrentei-o a socos e às gargalhadas. Foi uma relação intensa de felicidade, o de descobrir o tesouro que o mundo real escondia além da minha fronteira: movimento e liberdade. Ao voltar para minha escrivaninha de estudos, fiz meu primeiro poema. Hoje, adoto a explicação do escritor Julio Monteiro Martins, que mora na Itália: escrever é missão não imposta, nascida do próprio senso de humanidade do escritor. Julio diz mais: a literatura é o único discurso com poder suficiente para enfrentar a manipulação da publicidade, da mídia e dos governos.

O que é a vida para você?

A vida é um mergulho intenso no verbo, representação e carne de um espírito maior que nos cria e redime. Viver é estar no miolo do furacão desencadeado pela palavra, esse canal que nos liga ao eterno e nos prende à humanidade. Viver é estar eticamente ligado ao que está vivo.

E a morte?

Morte é mistério e perda. É presença, detectada pelo medo, e uma advertência perene à nossa arrogância. Morte é revelação quando a sentimos e obscurantismo quando a ignoramos .

Qual seria a função da poesia em um mundo como o nosso, assolado pela peste consumista e em permanente crise ou inversão de valores?

Poesia é a palavra com o dom da transformação. Poesia é claridade e avalanche. É denúncia e resgate. É o que dá sentido à dispersão da vida. É síntese e desdobramento e é luta contra a indiferença.O maior inimigo da poesia é a sua imitação: a máscara que a exila, a espada que a retalha, a dor que é puro deboche. A imitação é a negação do carisma e a danação do verdadeiro poeta.

A poesia está fora do circuito, porque seu sentido sempre retorna renovado, por mais que a cerquem. A poesia desmoraliza o circo de horrores e recupera, para o humano, sua transcendência. Por isso a linguagem das religiões usa o poético, porque esse é o único meio de se sobrepor a todas as pestes.A poesia é quando Deus silencia para escutar e ao mesmo tempo é o grito da divindade quando se enxerga.

A função da poesia é engendrar o sagrado, mesmo quando precisa ser profano para expulsar o que nos aniquila. A poesia traz de volta o que estava oculto e eternamente presente. É o alívio da criação quando encontra enfim a saída do labirinto.Poesia é a proximidade mais íntima com o humano.

RETORNO - Imagem de hoje: Foto aérea de Uruguaiana, feita por Anderson Petroceli.

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