São Paulo venceu São Caetano por 4 a 3 num jogo de vida ou morte, que nem precisava ser tão disputado, já que se trata de campeonato estadual, numa quarta-feira de cinzas, num dia que teve goleada da seleção brasileira em Hong Kong (o time adversário, doído de tão ruim, não contou com nenhuma proteção do dragão, o deus dos chineses). Mas duas expulsões do Azulão e mais do seu técnico Zetti colocaram fogo na partida. Situações recorrentes se impuseram no emocionante match. Uma delas foram as fulminantes escapadas (que batizaram de contra-ataques) do São Caetano e a outra a pressão irracional e, por quase todo o tempo, ineficiente, do São Paulo sobre o gol guarnecido por Silvio Luís. A eficiência do contra-golpe e a barreira na defesa foram as armas do perdedor; a falta de concentração do time que tinha apenas superioridade numérica (11 contra nove) desenhou o perfil do vencedor. Quem ganhou? O torcedor e aqueles caras que, como eu, ficam de zap na mão procurando o que ver no deserto da televisão brasileira.
LUISÃO - Teve também a volta de Luisão no segundo tempo, jogando no ataque do São Paulo. Dos seus pés saiu um dos gols que ajudaram a definir o jogo. Simpatizo com o grande craque, fulminado pela falta de sorte, e que honrou a camisa corintiana durante alguns anos. Luisão é um sujeito das antigas, ou seja, do cara que se identifica com o time e poderia fazer parte de um país que não se esbagaçasse a cada rodada nem vendesse seus jogadores para a perigosa máfia russa. Quando fazia gols para o Corinthians, batia no peito, na altura do medalhão do clube, e isso significava o espírito de um time que agora está nas mãos de alguma coisa sem raízes, oculta como um mistério oriental. Luisão poderia, até hoje, ser um símbolo do patrimônio do clube que adotou, mas parece que houve problemas nas transações onde se enfiou. Gosto desses jogadores que não convencem inteiramente. O horrível técnico Leão, a arrogância obscurantista a serviço da crueldade e da burrice, o ex-Miss Pernas, disse que Luisão iria gostar de ficar no banco, que é um lugar acolhedor. Isso não se diz para ninguém. Gostei também da volta de Alex para a seleção brasileira. O maior jogador do Brasil, o estrategista supremo, o visionário dos espaços inexistentes no rolo compressor de uma decisão, merece ser titular do time penta-campeão. Fiquei também impressionado com Anailson, do São Caetano, que, de longe, deu um toque inesquecível na bola e cobriu Rogério, o irregular goleiro sãopaulino, que deveria jogar no ataque, já que gosta tanto de chutar a gol (tanto é que no início da partida deu um pontapé na coitada, que se vingou, entregou-se ao adversário e voltou quicando contra a cidadela tricolor). A colocada de Anailson foi tão perfeita que os comentaristas disseram que ele usou as mãos, maneira de definir a facilidade e a doçura com que a bola entrou para as redes. Mas a mão não faz isso. O que faz esse tipo de jogada é a complexidade e a força do pé, que encerra possibilidades infinitas nas suas inumeráveis curvas. O importante é destacar a presença de espírito de Anailson, que ao chutar parece que mirou a linha de fundo, mas sua confiança na estrutura do pé (e o impulso que ele regulou com precisão no momento do chute) levou-o à glória, porque a bola fez as curva mortal e desceu vagarosamente beijando o véu da noiva.
CRIATURA - Por que a virada de 3 a 1 para 4 a 3 foi injusta? Porque o São Caetano tinha merecido a vitória com o gol de Zé Luis, que saiu sozinho do meio do campo e surpreendeu Rogério com um bico dado no meio a uma multidão sãopaulina. Ali tinha se definido o jogo. Mas parece que existe o convencimento interno dos jogadores que se preparam para perder. Havia pressão, mas do outro lado havia sorte, proteção divina. E competência, talento. Mas estava escrito em algum lugar: o favorito vinha para cima com tudo e ninguém impediria aquele desfecho. Há uma espécie de destino nos jogos de futebol. Não deveria. Acredito que haja um espírito de grupo formado pela sintonia entre os jogadores, que se manifesta na vitória e na derrota. Trabalhar essa entidade, forjada na representação do conflito, deveria ser uma preocupação dos dirigentes. Há uma criatura invisível que se forma com o suor da peleja. Se soubéssemos lidar com ela, jamais perderíamos para a Argentina, por exemplo. Os argentinos sabem do que se trata. Eles criam o monstro antes do jogo começar. E o monstro diz: perder para o Brasil, jamais, nem que o mundo acabe. É isso que devemos fazer. Só que em vez de monstro, temos, como espírito da seleção, a espada de Palas Atenas, a guerreira.
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