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27 de fevereiro de 2005
A PROFISSÃO EXTINTA
O jornalismo acabou. Impera a publicidade, a troca de favores, a corrupção dos conteúdos que tentam seduzir os leitores com superficialidades e sacanagens. Os repórteres estão impedidos de exercer o seu ofício. O que vejo nos jornais são textos com 30 verbos para substituir o clássico dizer. As pessoas estimam, confidenciam, alertam, recordam, garantem, acrescentam, tudo em meia dúzia de linhas, mas jamais dizem simplesmente. Isso é vício de linguagem, falta de orientação ou de talento. Fica penoso cruzar um parágrafo em que triunfa a narrativa tosca do escriba contratado para produzir abobrinhas. Revista de esportes? Colocam mulher pelada na capa. Matéria policial? Tudo a reboque dos B.O.s, jamais há iniciativa, levantamento de assuntos. O que vale é o marketing da notícia: se há algum evento ou pesquisa, então fazem a matéria. É o que chamam de gancho. Para mim, é o jornalismo que tem a carne exposta em ganchos de ferro, atraindo moscas e afugentando leitura.
BALCÃO - Abri um dia o El País espanhol de domingo e lá estava encartada a magnífica revista de reportagens deles, igualzinha à que fazíamos aqui até os anos 60 e que eu lia na infância e juventude com água na boca. Quem abandonou o jornalismo foi o Brasil, graças à longa ditadura, que debocha o povo aumentando salários de parlamentares e tem um presidente que não fecha a boca nunca. Um presidente deveria falar apenas em datas cívicas ou quando houvesse a necessidade de anunciar um projeto importante (construir uma gigantesca e moderna malha ferroviária, por exemplo). Não temos revistas de reportagens, temos caras e bocas. O modelo que venceu foi o de Ibrahim Sued. Todo mundo é colunista social. Adoram dar bola branca e bola preta (hoje é in e out), badalar celebridades, oferecer beldades, falar glamour, apontar ícones. O que tem de ícone na mídia é um espanto. Repórteres maravilhosos estão confinados ou a horários imprestáveis (como o José Hamilton Ribeiro ao cantar do galo na Globo) ou a materinhas descartáveis (como o grande Caco Barcelos cobrindo o casamento do príncipe Charles com a Meméia). Lembro Caco fotografado por um operário de Angra na chamada de capa da Repórter Três, editada pelo Hamilton Almeida Filho. A chamada era (em plena ditadura civil-militar): Invadimos a central nuclear! Caco, ex-motorista de táxi (descoberto por Licínio Azevedo), inscreveu-se para trabalhar de operário na usina e fez a matéria. Para mim, a péssima situação atual tudo é fruto da vaidade: os donos de jornal quiseram virar ícones do jornalismo, os colunistas monopolizam os furos e sobra para o reportariado a ingrata tarefa que cumprir a pauta de frivolidades do balcão de negócios em que se tornou a mídia.
HUNTER - Para que colocar tanta bunda? me disse uma repórter um dia desses. Respondo: porque são uns bundões, acham que as pessoas vão para as bancas atrás de bunda. Por que reservar três quartos da matéria para fazer suíte, ou seja, para contar o que o leitor já sabe, já que saiu tudo em datas anteriores? É porque os manuais mandam repetir até a exaustão, deixar tudo explícito, fazer mapinha para esfregar na nossa cara que o Cudamãequistão fica um pouco acima da Merda Central. Chega de mapinha, de destaques respondendo perguntas do lead americano dos anos 50. O quem que onde quando por quê morreu nos anos 60, mas até hoje é ensinado nas faculdades de jornalismo. Um dos caras que enterrou o lead foi o genial Hunter Thompsom, que deu-se um tiro recentemente aos 67 anos (talvez inconformado com o enterro da própria profissão nesta era Bush). Seu livro Las Vegas na Cabeça é de matar de tão bom. É uma roadie-reportagem, uma viagem louca de Los Angeles a Las Vegas, onde ele vai fazer uma cobertura jornalística. É denúncia e provocação, é jornalismo revolucionário e literatura de primeira água, é linguagem lá no pico. Ele chama seu traficante de drogas de meu advogado. É leitura obrigatória. Parece que empurram goela abaixo da meninada nas faculdades nulidades como Notícias do Planalto, do Mario Sergio Conti, um livro que já teve uma resposta à altura em Castelo de Âmbar, de Mino Carta (onde Conti aparece sob o pseudônimo de Soslaio). Hunter, caçador: chumbo grosso neles.
RETORNO - O caderno Donna, do Diário Catarinense deste domingo, publica meu texto O Vigia do Mar, uma das minhas crônicas favoritas. Tem mistério, assombro e até reportagem. Não digo o nome do Mestre para guardar segredo. Nenhum segredo será revelado. Viver é buscar a chave do enigma, sem jamais encontrá-la. A única regra é não desistir. Andar nos salva. Procurar nos resgata. Dizer será nossa única herança.
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