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4 de outubro de 2004
O BOM BOI BERRA
Tem um poema de Torquato Neto que diz mais ou menos assim (citar de memória é a verdadeira citação, citar letra por letra é cópia): coloque um homem e um boi na fila do matadouro; aquele que berrar é o homem, mesmo que seja o boi. Custou a cair a minha ficha sobre esse achado do genial poeta baiano (mais um!). O humano é aquele que se rebela e pode se manifestar numa pessoa como em qualquer animal condenado. A insurreição humaniza, tira da condição irracional. As eleições de ontem mostraram o povo amarrado às cartas marcadas das eleições, propostas como um embate entre PT e PSDB. Não houve acidentes graves, repetem sem parar. O povo (que não sabia votar, lembram-se?) agora aprendeu, graças talvez às propagandas dizendo para não votar em corrupto. Ah, que bom que vocês nos avisaram!
AMOR NACIONAL - A montanha de dinheiro gasto nas eleições significa só uma coisa: que tudo será pago pelo povo. Quanto as gráficas não faturam com essas montanhas de papel pintado! A lei, mesmo, a que proíbe boca de urna, não foi respeitada. Fizeram o que quiseram na fila. Em Floripa, o PT amarga um desonroso quarto lugar, com o candidato Afrânio Boppré. O PDT, que não acredita em si mesmo, fez coligações. Grando, ex-prefeito sobre o qual se depositavam as esperanças de segundo turno, ficou de fora. E Chico Assis, ex-secretário de obras de Ângela Amin, vai disputar com Dario Berger, que sugere dinamismo nos gestos e na fala (lembra alguém, mas não vou dizer). No fundo, a gestão de Ângela Amin, do PFL, foi competente: transformou Floripa num case de amor nacional e tornou a cidade esplendorosamente limpa. Tropeçou ao permitir que aumentassem as passagens de ônibus, já no final dos seus dois mandatos. Houve revolta popular e tiveram que recuar. Isso jogou sombra na candidatura da situação, mas assim mesmo ela se saiu bem nas urnas, sinal que houve reconhecimento pelo trabalho feito, já que Assis não possui nenhum carisma. Aliás, o ar de mosca morta dos candidatos vitoriosos, como o correto Pimentel, do PT de Belo Horizonte, que ganhou no primeiro turno, parece nos dizer que o povo cansou de gestos grandiloqüentes, braços levantados e vozes altissonantes. A política entra em rimo de bossa nova e nós, que sofremos da ressaca da ideologia, e que queríamos, ao fundo, Jimi Hendrix tocando Peace in Mississipi (a mais contundente faixa musical do século 20), ficamos escutando: bim, bim, bom, é só esse o meu baião. É bom de ouvir, mas onde estão os tambores? Talvez isso mude no segundo turno.
MALUF - A declaração de José Genoino que quer o voto não só dos malufistas, mas do próprio Maluf, é da lógica da eleição (quanto mais voto, melhor), mas contraria a lógica do eleitorado. Os malufistas são opostos aos petistas, e declaradamente não gostam de Marta. Não votarão nem atados no PT. Serra deverá ganhar de lavada e se for inteligente poderá fazer de São Paulo uma cidade um pouco melhor. Não precisa muito, pois a cidade anda sozinha. É só não deixá-la abandonada, como fez a Erundina (que foi-se), não deixar roubar (para o dinheiro público não ir para o ralo), cuidar de ruas, calçadas e pontes e não pensar na Presidência da República. Ficar na sua, cuidar de Sampa. Se fizer tudo certo, terá estátua em praça pública. São Paulo é carente. É uma barbárie nas ruas, mas se você fizer uma gentileza, o paulistano se desmancha. Agradece, te buzina, te abana. É pura carência. O paulistano, nascido lá ou não, é um lutador. Por isso ficou tantas décadas nas mãos do populismo de direita (o verdadeiro populismo), capitaneados por Adhemar, Jânio e Maluf. Estes, espertamente, souberam capitalizar essa energia de Sampa, se identificar com ela. Mas esses políticos (e seus clones) ajudaram a destruir São Paulo, que tornou-se o caos. Mas basta uma administração razoável para que o esplendor da maior cidade do mundo ressurja como um recado do Brasil que sabe se superar. Assim também em Floripa: quem ganhar, basta não fazer nenhuma grande burrada, que a cidade se segura.
RETORNO - Jandira Feghali, do PC do B, conseguiu expressiva votação (7% do eleitorado carioca). Tem força nas urnas, portanto, futuro. Merecia ganhar, por ser a melhor. Mas nada como uma eleição depois da outra.
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