18 de dezembro de 2003

DOIS MESTRES DA PESADA



Hoje convoco os poemas favoritos do primeiro time. Um trecho do poema de Drummond e um soneto de Shakespeare.

PROCURA DA POESIA

Carlos Drummond de Andrade

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sobre a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram da noite as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo


A UM DIA DE VERÃO COMO HEI DE COMPARAR-TE?

William Shakespeare

A um dia de verão como hei de comparar-te ?
Vencendo-o em equilíbrio, és sempre mais amável!
Em maio o vendaval em ternos botões disparte
E o estio se consome em prazo não durável.

Às vezes, muito quente, o olho de céu fulgura,
Outras vezes se ofusca com a sua tez dourada;
Decai da formosura, é certo, a formosura,
Pelo tempo ou o acaso é enfim desadornada:

Mas teu verão é eterno, e não desmaiará,
Nem hás de a possessão perder tua beleza,
Vagando em sua sombra, o fim não te verá,

Pois neste verso eterno ao tempo, tu te igualas:
Enquanto o homem respire, e os olhos possam ver,
Meu canto existirá, e nele hás de viver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário