Nei Duclós
A linguagem é como o tanque de guerra herdado pelo filho do
colecionador.
Como o objeto é um despropósito, um excesso diante das
necessidades,
o herdeiro entrega o monstro para um ferreiro transformá-lo
numa caçamba.
Mas o trabalho fica defeituoso e a solução é aproveitar o
material restante.
Quem sabe um carrinho de mão daqueles de ferro? propõe o
profissional.
Idêntico resultado. Transtornado, o cliente exigiu reparo e
foi informado
que poderia pelo menos dispor de um pé de cabra com as
sobras.
Mas até isso deu errado. O que restaria fazer então?
Só posso agora fazer um chuá, disse o ferreiro.
E o que vem a ser isso? pergunta o desesperançado cliente.
O ferreiro vai até o forno, esquenta o pedaço de ferro que
restou,
até ele virar brasa. Com uma pinça, mergulha o material
ardente
numa bacia de água, que se espalha por todo o lado, fazendo
chuá.
Assim também o poema. De um material gigantesco, a língua
em sua estrutura e acervo, nos resta apenas um mínimo som
que se esvai no primeiro minuto em que é ouvido.
Depois nos retiramos, arrependidos talvez do desperdício,
do tempo perdido até chegar à surpresa de descobrir
a essência da palavra, a que dorme soterrada
em nosso porão de badulaques, que jamais consultamos.
RETORNO -Imagem desta edição: A Forja de Vulcano, de Luca Giordano
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