Recebi na ilha mais uma visita ilustre, a de Virson Holderbaum, amigo de longuíssima data, que na aprazível praia do Campeche curte sua merecida aposentadoria, depois de uma vida de muitas lutas, onde despontam histórias desse heroísmo contido e maravilhoso da nossa geração, que inclui uma perigosa viagem a Buenos Aires em plena ditadura nos anos 70, quando ocupou-se de uma missão muito especial junto a exilados brasileiros.
AMETISTAS - Virson está tentado a escrever sua história, o que nos promete uma saga magnífica. Mas, como ele participa alegremente dessa tradição oral do Rio Grande, me adiantou alguns detalhes e lembrou inúmeros acontecimentos da sua vida, num sábado regado a mate sob um céu azul que só Floripa sabe fazer. Ele é filho de mãe italiana e pai alemão. Portanto, não há alguém mais brasileiro. O pai extraía pedras semi-preciosas na serra gaúcha, atividade que seu irmão mais velho, Moacir, herdou e desenvolvia futucando a terra em busca do grande veio. Pois esse dia apareceu e nosso amigo, que foi para a serra cuidar das vendas das pedras, encheu-se de grana. Fantasiado de turista, em pleno ano de 74, foi-se para a Argentina levar documentos a um amigo que tinha escapado, sem nada nos bolsos, dos militares do golpe do Chile de 73. Em Buenos Aires, colocou a mais colorida das camisas, que encimava uma calça branca. Detalhe: era época de carnaval. Os argentinos urravam: "Brasileño maricón!" Virson nem aí. Detentor do mais famoso ar blasé das plagas sulistas, saiu-se a contento da sua empreitada. A paranóia dominava o quartel onde ficavam os exilados, mas Virson entrou no ninho da coruja muito bem recomendado, no papel de pombo correio com grande coragem e o travo doce da aventura em sua boca. Voltou de trem, pelo meio do pampa, rodeado de índios, tendo aportado enfim em Paso de Los Libres e dali para Uruguaiana. Arriscou sua vida. Ajudou a salvar seu amigo - hoje escritor famoso - e nada pediu em troca. Dias depois que os documentos foram entregues, a Europa recebeu os exilados e um mês mais tarde, caiu o governo eleito de Isabelita. A ditadura desceu a lenha, mas o exílio não era mais uma armadilha. O amigo já estava a salvo, do outro lado do mar.
DEFINIÇÃO - Se existe uma expressão para defini-lo, um homem de bem é sem dúvida a mais adequada. Como nasceu numa terra muito difícil, de pais muito rigorosos, e passou a pior fase do Brasil dos 15 aos 40 anos, Virson tem uma sólida autocrítica e nem sempre enxerga o quanto projeta de grandeza. Mas se existe um cidadão brasileiro que merece ser reconhecido, este é Virson Holderbaum, um dos melhores contadores de histórias que eu conheço e que fez um paralelo entre a viagem de Che no filme Diários de Motocicleta e a nossa (junto com Marco Celso Viola, que me envia sua obra-prima, o livro Poemas para ler em voz alta) viagem para o Rio de Janeiro, de caminhão, em 1969. Somos desse tempo, em que jamais poderíamos nos conformar com as correntes dos algozes.
SAMPA - Volto a São Paulo para acertar algumas coisas, enquanto minha caixa postal explode de mensagens. Passei muito tempo dependendo de cyber café na ilha e isso complica um pouco. Aos poucos vou tomando pé, mas agora minha vida é essa: por qualquer coisa, parto novamente. Estou em movimento. O Brasil é grande demais para ficar parado.
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