Diário da Fonte
CALCANHAR DE FRIGIDEIRA
Hoje vamos ser mais explícitos sobre alguns assuntos, como publicidade, televisão, cinema e jornalismo. Tudo em pequenas gotas, o que não significa que sejam homeopáticas. Especialmente se elas saírem das águas da fronteira.
FORUM - Estão chamando de polêmica a publicidade da Dona Flor e Seus Dois Maridos, da Fórum. O problema não é o mau gosto de um guri de merda enrabar uma guria idem, para todo mundo achar uma gracinha, mas é o espaço que esse tipo de porcaria ocupa. Por exemplo: toda a capa da Ilustrada já foi dominada pelas imagens da campanha ridícula. Você pega o caderno para ler algo que lhe interesse na área da cultura e do espetáculo e dá de cara com a representação apelativa de um ato sexual feito por crianças mimadas. No lugar de uma reportagem, de uma foto relacionada com a informação e a cultura, o que temos é a imposição publicitária de uma escatologia. Isso não é polêmico, é só uma maneira fajuta de chamar a atenção e assim justificar a grana preta que se investe nesse tipo de droga.
A CENA DO MIJO – Agora é moda nos enfiar goela abaixo toda espécie de porcaria. No cinema americano, é obrigatória a cena do mijo: em algum momento, em algum lugar, alguém vai mijar. Ou no banheiro, ou na estrada, ou no quintal. Se a cena aparece no início do filme, fico aliviado: bem, já cumpriram a lei que obriga a ter essa cena, agora o filme vai transcorrer mais tranqüilo. Pode acontecer com o personagem principal, o secundário ou o extra: sempre tem alguém mijando. Por quê? Para quê? Parecem que eles nacionalizaram o ditado. Agora é assim: “Quando um americano mija, todos mijam”. Outra coisa intragável é a quantidade de nojeiras que os americanos fazem com a comida, com suas secreções e não vou mais entrar em detalhes, pois escrevo esta coluna na minha casa. Especialmente nas comédias, onde pontificam monstros como esse Jim Carrey. Sem falar nas bundas que pulam em close-up de um momento para outro, em filmes em que você menos espera. São cenas colocadas à força. Eles fazem questão de mostrar explicitamente o que deveria ser elegantemente sugerido. Como se sexo fosse exclusivamente físico e desse labirinto não devêssemos sair.
MAKING-OFF, A CHATEAÇÃO – Não dá mais para aturar atores falando dos seus “personagens”, referindo-se a eles na terceira pessoa como se isso fosse algo interessante. A televisão é apenas a vitrine publicitária do cinema comercial. O pior é o fingimento: todos os atores se admiram, quando não se amam. O que se destaca com isso é que nenhum deles assume qualquer responsabilidade sobre o que fazem. Vocês viram o quanto o Mel Gibson é cristão, depois de difundir a violência sem parar em inúmeros filmes apelativos?
A TV deveria mostrar menos making-off e mais filmes. Fazem-se milhões de filmes e só meia dúzia entram na programação.
CONSTRANGIMENTOS – Pobre Alex. O grande craque é obrigado a conviver com o deboche dos jornalistas que fazem perguntas como “o Kaká entrou no seu lugar e no primeiro lance fez o gol; como você vê isso?” O coitado então responde “normal”. E o senador Eduardo Suplicy, que também tem que achar “normal” (a resposta da hora) o fato de o presidente da República e a primeira dama serem os padrinhos do casamento da sua ex-mulher, a prefeita? Que casem, que sejam padrinhos, mas precisa alguém ir lá perguntar ao Suplicy? “E aí senador, como o sr. vê isso?”. O que queriam? Que o senador virasse um homem da fronteira e respondesse com os célebres versinhos: “Correntino pé de chumbo/ calcanhar de frigideira/, quem te deu a liberdade/ de casar com brasileira”? Não me perguntem o que é calcanhar de frigideira. Conheço os versinhos desde criança, mas nunca entendi a estrofe inteira, embora saiba exatamente o que ela quer dizer. Parodiando o Martin Fierro: explícito por explícito, prefiro o da fronteira.
Pena que só tardiamente leio este artigo, pois ainda hoje, em 2021, considero os comentários indignados do autor perfeitamente pertinentes.
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