19 de agosto de 2003

SERGIO VIEIRA DE MELLO

SERGIO VIEIRA DE MELLO
(1948-2003)

O Brasil perde seu maior estadista

Ninguém ficou sabendo, claro, a não ser meia dúzia de pessoas, mas eu lancei Sergio Vieira de Mello para a presidência do Brasil no auge da campanha do ano passado. Cheguei até a fazer um cartaz, para surpresa dos que me rodeavam. “Ah, aquele da ONU”, diziam. Eu estava já convencido em votar no Lula, mas desconfiava que Lula não tinha o estofo de estadista de Vieira de Mello, um especialista em conflitos e o mais brilhante brasileiro da minha geração. Nesta altura das trapalhadas do governo Lula, a perda de Vieira de Mello na guerra estúpida inventada pelo Bush é mais do que uma tragédia, é uma revelação.

Por acaso vocês viram, antes da sua morte, alguma vez na televisão uma entrevista com Vieira de Mello? Mas com o pessoal do Karametade, viram, pois não? Já leram alguma vez o Vieira de Mello falando sobre o Brasil na imprensa brasileira? Mas sobra entrevista com as nulidades de plantão. Pois agora perdemos nosso grande estadista, o brilhante diplomata cheio de coragem, doutor em filosofia pela Sorbonne, que soube reiventar o Timor Leste do nada. Agora é a hora de cobrir os espaços da mídia com sua biografia, já que nossa imprensa é incapaz de reconhecer seus maiores contemporâneos e só descobre a verdadeira grandeza depois que a perdemos.

Vieira de Mello era meu candidato à presidência em 2006. Perdemos mais esta. Para a brutalidade de Bush e para a violência do Oriente Médio, que só acabará quando erradicarem o petróleo do topo da lista de prioridades energéticas.

A seriedade, coragem e inteligência de Sergio Vieira de Mello são fontes permanentes de inspiração para nós, que aqui ficamos. Ele era o Brasil que precisamos ser. Foi-se no auge da sua vida e deixa no mundo a imagem de seriedade que nós podemos ter na comunidade internacional.

É hora de abraçar as pessoas que realmente contam, dar-lhes crédito e não deixá-los ir sem que saibam o quanto os admiramos.


Agora, dou crédito ao Jamil Chade, da Agência Estado, transcrevendo sua reportagem quando Vieira de Mello deixou tinindo o Timor Leste:

Diplomata preparou
Timor para novo país

Brasileiro Sérgio Vieira de Mello atuou dois anos e meio como o chefe da missão das Nações Unidas
Jamil Chade
Agência Estado

No último dia 20, o Timor Leste se tornou o mais novo país do mundo. Para muitos diplomatas e funcionários da ONU, um dos principais responsáveis pela transição dos timorenses para a independência foi o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que por dois anos e meio atuou como o chefe da missão das Nações Unidas no Timor.
"Sérgio Vieira de Mello não foi apenas o governo do Timor por mais de dois anos. Foi ele quem conseguiu estabelecer as regras para a formação do novo governo, conseguiu a confiança da comunidade internacional e comandou um dos maiores sucessos da ONU nos últimos anos", afirma um assessor das Nações Unidas no Timor. Com a independência do país, Sérgio Vieira de Mello foi substituído pelo diplomata indiano Kamalesh Sharma, que terá a função de, nos próximos 12 meses, ajudar a nova administração do Timor a operar.
Críticas
Uma das críticas à atuação da ONU era de que a organização estaria deixando o Timor na condição de um dos dez países mais pobres do mundo, com um PIB per capta de somente US$ 478 por ano, expectativa de vida de apenas 57 anos e com metade da população vivendo com menos de US$ 0,55 por dia. As Nações Unidas, porém, afirmam que o mérito do brasileiro não foi no campo econômico, mas no fato de ter transformado um país arrasado pela guerra em um local onde a cada dia o poder Judiciário e a democracia se fortalecem.
"Em 1999, 400 mil timorenses deixaram o território fugindo da violência. A população que ficou se refugiou nas montanhas. Hoje, começamos a ver uma sociedade civil se organizando, uma polícia civil, um parlamento e uma constituição aprovada", afirma um de seus ex-colaboradores. Para outro funcionário da ONU no Timor, viver hoje em Díli (capital do novo país) pode ser mais seguro que morar em uma cidade brasileira.
A missão de Vieira de Mello teve como objetivo organizar a população e os líderes locais para a criação de um Estado.

Problemas humanitários
não foram solucionados
Sérgio Vieira de Mello, conhecido no meio diplomático pelo seu conhecimento sobre filosofia clássica, foi o responsável por estabelecer ministérios, programas para ajudar a população a votar, incentivar debates políticos e coordenar a segurança militar do novo país.
Para agravar ainda mais a situação, era exigido do diplomata que atendesse os pedidos dos vários grupos do território, entre eles a minoria muçulmana. "Vieira de Mello teve a possibilidade de construir um país", afirmou seu ex-colaborador.
Os problemas que o brasileiro enfrentou, porém, não foram apenas internos. O diplomata, que por muito tempo atuou ao lado do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, foi obrigado a praticamente formular a política externa do Timor. De um lado, necessitava manter boas relações com a Indonésia, antiga inimiga, mas responsável por grande parte do fluxo de comércio do novo país. Do outro lado, Vieira de Mello teve que negociar um acordo de exploração do petróleo do Mar do Timor com os australianos, que há vinte anos estavam na região.
Refugiados
Os problemas humanitários do Timor, porém, não foram todos solucionados com a administração de Sérgio Vieira de Mello. Ainda existem mais de 50 mil refugiados timorenses na Indonésia, que fugiram de suas casas em 1999 temendo a violência das milícias armadas. "Mais da metade possivelmente nunca mais voltará à sua região", reconhece um assessor do Alto Comissariado da ONU para Refugiados.
Para que o novo governo de Xanana Gusmão possa começar a funcionar, a comunidade internacional continuará apoiando o Timor. Para os próximos três anos, o Timor contará com US$ 440 milhões que serão destinados a uma estratégia para reduzir a pobreza, melhorar a educação e o acesso à saúde por parte da população.
Enfim, Sérgio Vieira de Mello termina seu mandato com uma das melhores reputações entre os funcionários da ONU e já está sendo cotado para ocupar o cargo de Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, no segundo semestre do ano. "Ele deu um toque brasileiro à ONU e à forma de atuação da comunidade internacional. Só mesmo um brasileiro, com o sentido de tolerância, poderia ter sido indicado para esse cargo", completou um funcionário da ONU em Genebra. (JC)

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