27 de setembro de 2002

WONDER BOYS: O COMODISMO DA REVOLTA

Nei Duclós

Happy end é a vitória da tradição redefinida - na sua aparência - pelo conflito. Este, funciona no cinema americano como atualização permanente dos princípios do que eles chamam América - o sonho que só existe na tela e que na realidade revela-se como pesadelo. Wonder boys (1999), de Charles Hanson, mostra que nenhuma intensidade do conflito poderá jamais abalar a tradição.

Há neste filme todo tipo de ?insanidade? que, no fim, adere ao leito normal: o professor/autor puxador de fumo e travado na criatividade, a reitora/amante que sonha largar o marido intelectual (estranho guardião de um casaco de Marilyn Monroe), o aluno freak armado em surto permanente, a aluna aplicada que pretende seduzir o mestre, o editor picareta que assedia meninos. Todos se acertam no final porque a América precisa seguir em frente, intacta, alimentada pela diversidade dos desvios tornados inócuos.

Era assim nos filmes românticos em que o casal impossível acabava se casando, e nos outros em que o pai de família em fuga voltava ao lar. O cinema americano mostra que a inclusão não se importa com a origem ou a natureza do problema, mas sim a contribuição do caos para a estabilidade da América. O importante é que no fim o migrante jure a bandeira estrelada e com listas (que aparece obrigatoriamente em cem por cento dos filmes, já que o cinema reitera virtualmente a América para justificá-la como dona do mundo), o marido volte a se apaixonar pela esposa, o negro se abrace com o adversário branco.

O radicalismo assim serve ao poder como pimenta em prato sem gosto. A América como síntese do mundo serve para substituí-lo. O resto são espaços sem forma, como o vasto território que começa no Rio Grande e termina na Terra do Fogo, onde todos tocam maracas, usam bigodes e chapéus e fogem para o Rio depois de dar um golpe. Os Estados Unidos mantém a exclusão como fonte inspiradora da inclusão imposta internamente via indústria ?cultural?. No seu universo, não existem povos, existem biotipos. O lationoamericano divide-se entre o chicano traficante, o porto-riquenho policial de boa índole, o bandido mexicano e as putas hispânicas. Existem hoje os palestinos vilões no lugar que décadas atrás era exaustivamente ocupada pelos alemães.

O truque de mais profunda repercussão é o do heróis solitário, em luta com uma contrafação do governo, uma imitação maligna do poder: a quadrilha liderada por um ex-combatente, um ex-agente da CIA (num ciclo recorrente do coronel Kurz, de Conrad/Coppola). O herói, que aparentemente está decepcionado com o governo (o que o identifica com a gang que o ataca) acaba fazendo todo o jogo sujo: enfrenta a imitação de governo para destruí-la sozinha, antes que chegue o xerife. É um método de introduzir a América virtual na ação individual (metáfora fajuta da liberdade).

Não há saídas no cinema americano. Há happy end. Os heróis que acabam dizendo alguma coisa morrem no final, como os easy riders.

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