5 de abril de 2012

OXIGÊNIO


Nei Duclós

Oito horas, começou o expediente. Não cubra o ombro.

Respire fundo quando me aproximo. Nosso amor devora oxigênio.

Ok, eu cedo. Pode usar essa maquiagem de escândalo. Depois não se queixe se te convidarem para um almoço no ermo. Estou atento. Filme os meliantes.

Nem pensar o vestido vermelho nesta manhá de trabalho. Guarde para a noite, embaixo da Crescente.

Não pense que vai à reunião com esse sapato onde bebemos champagne. Ponha algo feio.

Começa cedo. O que te acorda? Esse poder de sereno?

Ela me treina na prudência. Não posso extrapolar que silencia. Então arrasto a frase, mínima, para que me responda com um aceno. Bandida.

Não adianta dizer que vai me deixar. Já passamos por essa fase. Não deu certo.

Acabou o expediente. O amor também descansa

Tinha tanta esperança em você, ela disse, que decepção. Sempre fui um mendigo, ele falou. Você é que viu um príncipe. Agora acorde com o tilintar do meu copo de versos bonitos.

O que você ganha falando isso todos os dias? ela disse, me irrita! Podemos falar sobre o pacote da indústria, ele sugeriu.

Não acredito, ela disse. Então peça que eu repito, ele falou.

Volte com alguma sinceridade, ela avisou. Te amo, ele disse, antes de partir.

Tudo é truque seu, magia barata, ela disse. Não vai querer ser serrada ao meio de verdade, ele falou.

Cansei da fantasia, diga algo que preste, ela pediu. Estás bonita, ele disse.

Não repita esse tipo de coisa, já não faz mais efeito, ela disse. Só me calo com um beijo, ele falou.


ATRAÇÃO

Fico feliz por ti, disse o anjo fazendo as malas. Não preciso mais soprar em tua poesia bilhetes desesperados para atrai-la. Vou para um lugar onde não haja paixão, Deus me guie.

Agora sim, faz sentido. Acendo o fogo, esquento a água, esfrego as mãos e vejo teu perfil recortando o céu lá fora pelo vidro da janela.

No dia seguinte, quando você não mais existia perto de mim, o desafio era achar um motivo para acordar.

Qual o mistério dessa alegria? Nem sequer te alcanço, magnífica.

Tua volta encerrra o vazio destes dias e reinaugura a parte de mim que tinha ido embora para sempre.

Divindades me sopram, deusas me beijam. Quero ser um herói do amor, assim serei eterno.

Toco fundo com o verso, mas só o amor é a fonte do poema.

Tu és o dorso onde repouso meu rosto. Voltou a primavera antes da hora.

Precisamos refazer todo o caminho de novo. Cada palavra, cada gesto. Para que o corpo reconheça a identidade do amor que se quebrou por algum tempo.


CORAGEM

Coragem é arriscar a vida condenada pela servidão.

O descanso é sagrado, mas o trabalho é laico. Não vamos crucificá-lo por isso.

Crescente é a Cheia com uma sombra no canto do olho. Reconheci-a na noite, disfarçada, olhando o movimento sem atinar que seu brilho intenso a denunciava.

Parou de ter idéias bizarras? Melhor assim. Como castigo, dez dias de trabalhos solidários em ilhas de corais afastadas da costa.

Não te convenço? Espere a meia noite.

Você prometeu voltar. Se isso acontecer, vou começar com as unhas do teu pé. Depois, não tem o que segure.

Sem a vocação necessária, tente a lavoura.

Sabemos como é falso o verso sobre o amor que não convence. Olhamos para o lado que ele passa.

Seleciono poucas palavras que dão conta do recado. Sonoras, explícitas. Faço testes contínuos. O problema é o ciúme. Quando quero diversificar, elas chiam.

Não é o coelho que bota ovo de chocolate, é o carinho.

Ela não faz o que quer. Ela faz aquilo que você não quer.

São apenas palavras, ela me disse. E foi-se.


RETORNO - Imagem desta edição: cena de Les Parapluies De Cherbourg, de Jacques Demy.

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