4 de abril de 2012

GARUPA


Nei Duclós

Perdi o tempo contigo. Devolva em beijos.

Antes que venhas na garupa do poema, deixa eu te dizer o quanto te quero, cavaleira.

Monta não para ver mais longe, cavaleira. Mas porque estou a pelo e tudo pode acontecer quando galopamos.

Você acha que tenho facilidade para o poema. De que me adiantaria se fosses impermeável? O verso é criatura das tuas águas.

Às vezes penso que exagero. Mas nada se compara ao pulsar da constelação de Andrômeda, a romper a aurora de ser inteira.

Ninguém presta atenção ao que escrevemos. Só a areia, quando a maré muda. É quando os versos partem perseguindo os pássaros do oceano.

As palavras são apenas vestígios do que sentimos. O que vale é esse atraque no convés, sereia.

Renda-se. Gastei todo meu arsenal de espantos. Estou com sede. Dá-me de beber, suprema

Venha, pequena. Me prevaleço diante do teu tamanho. Consigo te esmagar só com um beijo.


ESTRAGO

Renda no joelho e bainha em Vênus sob o contorno extremo da curva acaba escorrendo. Depois não pergunte o motivo do estrago.

Eu perco no grito: escrevo para o infinito.

Algumas fantasias se concretizam. Outras, nem a pau cabem no dia.

Crescente empurra o rosto na nuvem e fica aparecendo só uma parte de sua luz, meio ovalada, de alguém que conversa ainda deitada.

Não se esconda, nua. Flua, com tua pele de seda.

Vim te buscar. Ainda é possível.

Não esqueci da meia noite. É que me distraí, te olhando fazer um bordado. Quando vi, já era madrugada pousando em teu ombro.

Você desistiu e o toque estava tão próximo que quase tremeu. Cheguei a ouvir o seu gemido.

Apaguei as luzes mas a Lua não permitiu que teu perfil se misturasse ao breu. E te banhou de mel.

Algumas fantasias se concretizam. Outras, nem a pau cabem no dia.

Quando você aparece, tenho vontade de dizer coisas. Mas me fecho. Vai saber o que guardas neste rosto de manhã pintada de outono.

É cedo para acumular tanta poesia. Vamos deixar que a Lua se encarregue do serviço.

Pedi para repetires mil vezes nossa atual situação. Obedeceste, ofegante. Doçura.

Deixas um recado de boa noite quando já fui dormir e depois de dias sem dizer nada. O que faço quando acordo e vejo aquele pássaro isolado na imensidão do vazio?



BATOM VERMELH
O

Você não me esqueceu, batom vermelho. Foram algumas tardes com roupas jogadas no piso. E eis você me dizendo que adora o amor que não morre.

Custei a entender que era minha vez, batom vermelho. Sorte que acordei a tempo para arrancar todos os suspiros do teu peito.

Passou o tempo e voltaste como sempre. Qual o visgo que nos escolheu naquele momento supremo?

O mais bonito é que respeitaste a liberdade, batom vermelho. Não disseste eu te amo enquanto o amor não completou um século. Aí, soltaste os cachorros.

Me ensinaste a prudência na palavra, batom vermelho. A toda hora desando, mas lembro de ti, guardada em neves e sóis do deserto, pulsando a glória de ser eterna.


RETORNO – Imagem desta edição: Barbara Stanwyck.

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