14 de abril de 2012

PARK ROW E PICKUP : SAMUEL FULLER DE PRÓPRIO PUNHO



Nei Duclós

Prepare-se para levar uma surra: Samuel Fuller bate no espectador sem dó, usando os próprios punhos. Brigas homéricas entre homens e mulheres, todos se engalfinham numa luta de vida e morte em nome da paixão de viver e da liberdade de escolha. Dois filmes dele nos colocam nessa roda brutal confundida por alguns com pieguice (sempre existem os aristocratas do bom gosto) e que é apenas competência cinematográfica, sinceridade e transparência de alguém que assumia sua biografia com todos os frames.

Ex-repórter policial, Fuller escreveu,produziu e dirigiu Pickup on South Street (1953, traduzido para Anjo do Mal), sobre o carismático batedor de carteiras (Richard Widmarck, arrasador) que rouba um filme contendo segredos de estado que estava dentro da carteira de uma mulher no metrô (Jean Peters, magnífica) e seria vendido para os comunistas. Também escreveu,produziu e dirigiu em Park Row,de 1952, filmado em 14 dias sobre o início da imprensa americana e uma homenagem ao jornalismo, rebento de uma união entre a tradição e a ousadia. O casamento entre a imprensa bem comportada e a marrom resulta no fruto da liberdade de informar com responsabilidade, de não aborrecer o leitor e de seduzi-lo com a arte visual e da palavra e com a informação isenta sobre os fatos.

Park Row é uma aula de jornalismo. Por exemplo: nunca me convenci com a máxima de que "notícia não é quando o cachorro sacode o rabo, mas quando o rabo sacode o cachorro". Aprendi que a citação está errada, por isso não fazia sentido. O certo, dito por um veterano de redação no filme, é assim: Cachorro com lata amarrada no rabo não é notícia, só quando ele se virar e desamarrar a lata. Isso é bem diferente do “rabo sacudindo o cachorro”. Há também a coincidência de eventos da imprensa com os históricos, como a inauguração da Estátua da Liberdade. E a ruptura de hábitos arraigados, como a inovação de colocar caricatura e charges na capa do jornal, o que era considerado um escândalo no século 19.

Park Row era a rua dos periódicos, onde o repórter trabalhava para o Star, dirigido por uma mulher (no Brasil o filme se chama A Dama de Preto). Ele forçou sua saída e acabou diretor de um pequeno jornal de quatro páginas, que mexeu com a concorrência, que por sua vez contra-atacou com violência. História conhecida e repetida ao longo do tempo. O encantador no filme é a gana da equipe do pasquim, onde todos pagam para trabalhar em favor de um projeto que tem tudo para vencer. Fuller uma vez disse, em Pierrot Le Fou, de Godard, que cinema é emoção. Nada mais verdadeiro em suas obras de autor.

Ele põe garra em tudo o que faz. Os beijos são irreversíveis, contundentes, enchem a tela. O beijo que começou como assédio em Pickup acaba despertando o sentimento, redimindo assim o casal de criminosos. Em Park Row, a muilher que perseguiu seu ex-repórter se arrepende e acaba salvando o jornal do concorrente. Em Pickup o casal deixa o mundo das trangressões, seduzidos pela beleza do amor. A personagem Moe, inesquecível criação da genial Thelma Ritter, deixa de denunciar pessoas à polícia para salvar vidas. É a remissão dos pecados, recorrente em Samuel Fuller, um homem de princípios mas sem falso moralismo, que abre a guarda para a chance de seus personagens darem a volta por cima escolhendo a liberdade.



RETORNO - Imagens desta edição: na primeira foto, Thelma Ritter e Richard Widmarck em Pickup on the South Street; na segunda, cena de Park Row.

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