30 de maio de 2009

RUBEM BRAGA E OS CONTEMPORÂNEOS


Nei Duclós

Quem veio antes? Rubem Braga ou a realidade encantatória que ele capturou em suas crônicas? Teria o mundo alimentado Braga ou o que lemos nele é tudo invenção? Houve mesmo um país em que Sergio Buarque de Holanda, depois de tomar umas e outras, disse que iria acender um fósforo na Lua? Seria mesmo real o momento em que dois correspondentes de guerra brasileiros e um chofer nascido em Bagé, vestindo uniforme militar dos Aliados, foram recebidos como libertadores nos confins da Itália? Será mesmo verdade que Gilberto Freyre foi preso por atentado ao pudor, tendo feito amor nas trincheiras sagradas de Guararapes, local onde os brasileiros surraram os holandeses?

O próprio Rubem Braga faz um acordo com o outro correspondente do front da II Grande Guerra, Joel Silveira, de se respeitarem suas versões mutuamente para não haver conflito. Assim combinados, estariam livres para dizer o que bem entendessem. Essa liberdade narrativa era a manifestação do gênio dos nossos escritores, que perdemos? Eles eram fruto do Brasil que ao descambar, perder o foco, ruir, deixou ao Deus dará os que vieram depois?

Teríamos nós, os que nasceram mais tarde, perdido o rastro ou nunca o tivemos? A existência de tantos autores que nos grudam em seus livros até hoje teria sido obra dos astros, de um jogo coletivo de criação, que teria feito uma barreira às nossas misérias e nos levado para um Xangrilá literário difícil de superar? Por que tudo soa maravilhoso mesmo quando eles falam de solidão e morte? “O Brasil é, principalmente, uma certa maneira de sentir” nos diz o velho Braga ao comentar a solidariedade entre a lavadeira que sofria com a chuva no morro, mas dizia que isso era bom para a lavoura. E que adorava as frases suntuosas de autores mais antigos e que o deslumbravam pelos detalhes, pela abundância, pela força. Brasil, mistério que nos invoca, sumiu bem na nossa vez, quando pegaríamos o bastão para chegar ao pódio, ou não nascemos para isso, para transcender nossa realidade como tantos fizeram antes de nós?

Uma coisa recorrente nos escritores que nos abandonaram, pela idade ou morte súbita, quando chegamos à vida adulta, é que tinham consideração pela inteligência do leitor. Uma das provas é que limparam a língua de todo o estorvo e nos legaram um texto enxuto, brilhante, eterno, sem as seqüelas do provincianismo, dos anacronismos, da pomposidade, da ostentação e da tautologia. Rubem Braga escrevia assim: “Meu caro Vinicius de Moraes. Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação”.

Já Antonio Cícero, na Folha deste sábado, escreve: "Contemporâneo" quer dizer "do mesmo tempo" ou "do mesmo tempo que". Quando dizemos, por exemplo, "Mário e Oswald foram contemporâneos", queremos dizer: "Mário e Oswald foram do mesmo tempo"; e quando dizemos "Leonardo foi contemporâneo de Michelangelo", queremos dizer: "Leonardo foi do mesmo tempo que Michelangelo".

Depois não sabem porque hoje jornal sobra na banca e naqueles idos, que tinha informação de sobra nas rádios e muito lazer e cultura nos cinemas, as pessoas faziam fila para assegurar seu exemplar. Não é culpa da internet nem nada. A culpa é dessa indigência mental dos bem nutridos, que se acham superiores e não enxergam o país e sua grandeza.

RETORNO - Imagem desta edição: uma seleção brasileira de autores. José Carlos Oliveira, entre Rubem Braga e Vinícius de Moraes; atrás, Paulo Mendes Campos, Sérgio Porto; ao Lado, Fernando Sabino.


UMA FOTO RARA

Agora está completo: meu texto O repórter que parou o avião, publicado no Diário da Fonte no dia 4 de março de 2009, está ilustrado por esta magnífica e rara foto que nos mostra Edemar Ruwer, o repórter em questão. Ela me foi enviada pelo irmão, Renato, que disse o seguinte: "Em nome da familia de Edemar, agradeço as belas manifestações, pois era esse o cidadão, sorridente, dedicado e inconsequente que queria endireitar o mundo, que as pessoas admiravam. Abraços. Renato Ruwer. "

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