12 de maio de 2009

LIMPINHO


Nei Duclós (*)

Sempre fiquei abismado com a vocação genética para o capitalismo. Muito criança, eu via como o dinheiro regulava as relações infantis e não atinava com a importância de moedas e notas. Lembro que recusei um prêmio paterno – uma fortuna diária em cobre legítimo – para deixar de lado o vício que trazia do berço, sugar um estéril pedaço de borracha em forma de bico. Abandonei o hábito naturalmente tempos depois, mas por decisão íntima. No cinema, dava sopa com a mesada pendurada na ponta dos dedos. Os espertos que frequentavam as matinês levavam vantagem arrancando-a para longe.

Quase na idade dos negócios, fui batizado na vida profissional atendendo o balcão do empreendimento familiar. Argentinos gostavam quando eu estava sozinho no comando. Faziam trocas lucrativas do peso supervalorizado contra o pobre cruzeiro indefeso em minhas mãos. Foi difícil aprender a driblar esses expedientes, pois jamais acreditei no poder fundamentalista da mais sagrada das instituições, a unidade monetária.

Não costumo comentar assunto tão polêmico, pois logo surgem os sacerdotes da religião dizendo que louco não rasga dinheiro. É verdade. Mas há espécies de loucos, como eu, que olham o maço de notas como uma criatura extraterrena, que teria sido inoculada entre nós como um vírus mortal. Não é apenas pose, é fato. Quando me via em dificuldades, os auditores da civilização financeira jogavam na minha cara a pouca prudência do sonhador em relação ao material sonante.

A obsessão pela grana tem motivos. Numa sociedade sem fundos como a nossa, que deve várias vezes o próprio patrimônio, todos estão profundamente envolvidos na chance de ganhar um extra. O ideal é fazer algo que renda um montante “limpinho”, ou seja, livre de custos, impostos e outras barbaridades. Essa é a palavra que tenho escutado mais ultimamente. “Dá para tirar tanto limpinho”, me dizem. E fazem um ar de satisfação triunfante.

Acho justo. Quisera ter essa habilidade. Mas ela me lembra apenas o tempo em que eu era exibido aos visitantes como um portento pela mãe aliviada, depois de uma semana longe do chuveiro: “Vejam como ele ficou limpinho”, dizia. Amor de mãe, todos sabem, é mais valioso do que o mais cobiçado conteúdo de um cofre.

RETORNO - 1. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 12 de maio de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: quando tinha 11 anos, muito sério, entrava para o Olimpo, o famoso Colégio Santana, de Uruguaiana.

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