7 de maio de 2009

O FIM DA ELITE


Nei Duclós

“Porque não!” deveria ser a resposta para a célebre pergunta: “Por que não?”, que foi a deixa para toda espécie de barbaridade ser cometida em nome da liberdade. Hoje, temos gentinha no poder em todo o mundo. Vejam o caso do Berlusconi e sua semsorte, lavando roupa suja em público. Aliás, a volta de Berlusconi ao poder já é um escândalo. Vejam o presidente francês com sua stripper como primeira dama. Vejam o caso Eduardo Suplicy-Mônica Dallari, inserido na farra das passagens.

Vejam o presidente argentino elegendo a esposa para a presidência. Vejam a família italiana do presidente de país gerenciado pelo “cara”. Vejam a Hillary pedindo desculpas em nome do governo Obama, como se “foi mal, aí” lavasse a desonra de matar mais de cem civis no Afeganistão, arrasar aldeias miseráveis, massacrar crianças. Obama , o “sem medo de ser feliz”, o “Yes we can”, é o culpado pelo morticínio. Obama não é afro, é americano. Não veio do Terceiro Mundo nem se identifica com ele, faz parte da gang que domina o mundo e que nada tem a ver com o conceito de elite, de liderança ungida pela meritocracia.

Claro, dizem os reaças, foram eleitos pelo povinho, então são gentinha. Picas. São impostos pela ditadura camaleônica, que usa o voto e as fraudes das votações para colocar quem eles bem entendem. Manipulam a mídia, o marketing, compram tudo e o resultado é esse. O povo não é culpado, é vítima. O povo lutou pela democracia e foi enganado, envolvido pelos tentáculos de antigos e novos donos do poder, que se revezam no gerenciamento de inúmeros butins.

Não gosto mais de falar mais destas merdas que infestam as mídias e os blogs. Prefiro ver e revisitar os filmes que valem a pena. Revi ontem o início de O Leitor (2008) e notei a competência do diretor Stephen Daldry no uso das cores e nas referências aos clássicos. Kate Winslet colocando a meia é Marlene Dietrich em O Anjo Azul (1930), de Josef von Sternberg. O lugar onde a ex-nazista mora é um prédio do passado, que fica em frente a uma obra, o alcance da modernidade. O rapaz quando faz a visita fatal, quando se dá a primeira transa, está impregnado pela cor vermelha de paredes e cortinas. Quando briga com ela, tudo vira ocre, velho. Um show.

Ralph Fiennes tem a concentração intensa de um protagonista com cargas de tempo até os cabelos. É um tremendo ator. Kate impressiona por fazer aquela alemã brutalizada, de cadeiras rígidas, operosa, forte. E, nos momentos de fragilidade, encantadora. Mulher que não entende o conceito dos homens sobre a beleza feminina, que chora numa igreja lembrando pecados antigos, que se arrasta quando vê a esperança de enfim encontrar seu velho amor. David Kross, o garoto que interpreta o personagem principal nos anos 50, também é muito bom. Por ele ficamos sabendo como era o ensino naquela época: estudavam Homero, Goethe, Tchecov no secundário. Não tinha moleza. É assim que se produz uma elite de verdade, culta e responsável.

Bruno Ganz, o clássico ator alemão de tantos papéis importantes, faz o advogado que se invoca com o comportamento do aluno que guardava um segredo. O filme é uma abordagem da cultura ocidental, que seria toda ela baseada na posse de um segredo nem sempre revelado. São aulas sobre o Justiça numa época de lavagem de roupa suja em público. Quando todos perdem a compostura, o que fazem as instituições e, o que é melhor, o que fazem as pessoas diante dos impasses, preparadas para enfrentar essa barra desde criança, por meio de uma educação responsável, ampla, fecunda? Uma educação que, por oposição, pode gerar facínoras, que usam mal a formação tão apurada, mas jamais o tipo de merdinha que tem assumido o poder.

Ou pior: mesmo super formados, são incapazes de escapar do domínio dos bandoleiros que mandam matar civis em aldeias cheias de areia.

RETORNO - Imagem desta edição: o aluno David Kross é observado pelo professor Bruno Ganz, cena de "O Leitor".

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