10 de maio de 2009

O DEUS FUTURO


Nei Duclós

Depois da Quarta Guerra mundial, que segundo Einstein será a machado, o Hubble será redescoberto como um corpo celeste natural. Como a Terceira Guerra destruiu todos os vestígios das realizações humanas e a quarta foi apenas a disputa do que sobrou pelos sobreviventes, não existirão sinais de como o grande telescópio espacial foi parar lá, em órbita. O mais surpreendente é que o Hubble, amado desde que nasceu, vai se condoer da humanidade e resolverá assumir sua porção divina, para que continuem acreditando em alguma coisa.

Ou então é possível que tudo fique em segredo entre os astronautas/cientistas que hoje correm para abraçá-lo de novo, como diz o veterano John Grunsfeld na véspera de mais uma viagem de conserto ao gigante querido. Talvez eles resolvam, a certa altura, instalar nas suas dependências uma colônia permanente. Levarão suas famílias e aos poucos um punhado de gente irá viver em território neutro, no limite do universo conhecido, de olho nas grandezas para lá da Traprobana milenar. Serão os sacerdotes dessa religião estelar que irá dominar o sistema solar depois das hecatombes.

Eles virão, cheios de imagens novas, mas sem contar o segredo da criação desse Deus do futuro, dar cursos para os visigodos que agora se recolhem em cavernas comendo carne de avestruz transgênico. Mostrarão como as colunas mestras da estrutura do universo são facilmente visíveis, desde que contem com a ferramenta indispensável para enxergar o cosmo indevassável, o Hubble que nos guarda e governa. Haverá súplicas para os mensageiros, que levem para o espaço seus pedidos de uma vida nova, onde todos possam ver o tempo todo o que existe por trás do céu azul e da noite forrada de luzes.

Será enfim o reino da Poesia, a deusa inviável. Teremos relatos, lendas, narrativas, poemas épicos sobre a viagem incansável que o Hubble faz varrendo os confins do ignoto para que nossas mentes precárias e corrompidas pelas guerras possam enfim ver a luz. Boiar no espaço, essa impossibilidade terrena, será o sonho de todo habitante do caos pós conflitos, que ficarão siderados com a capacidade de os enviados do Hubble cruzar a atmosfera, enquanto o resto fica a sonhar o inimaginável.

Multidões irão se atirar de abismos, gurus solitários instalados em cavernas de himalaias tentarão voar batendo um pé no outro e acabarão sendo devorados pelas avalanches. Não importa. O que vale é a intenção de voar. O que pega é saber que existe algo fora de nós, que a vida não se resume a rogar praga nos contemporâneos ou fazer deles platéia para nossas neuroses.

É por isso que fiz, preventivamente, aquele poema, que reproduzo aqui:


HUBBLE

Nei Duclós

Sou um desses planetas soltos
sem sistema
Longe do abraço circular
da grave estrela

Acompanhado apenas pelo olhar
oblíquo Hubble
A desandar errante como cauda
de cometa

A me arrastar em velocidade
extrema
no cosmo sujo sem jamais
olhar para trás

A única chance de parar é você
levantar-se
desse banco de jardim e dar-me
um beijo

RETORNO - Imagem de hoje: John Grunsfeld em ação. Muitos são os candidatos, mas para mim John é "o cara". Olha o que ele vai fazer nesta nova missão, segundo a Folha: "Alguns trabalhos de reparos, como a instalação de um espectrógrafo (instrumento que separa a luz em diversas frequências e a analisa), serão relativamente fáceis, como retirar e recolocar uma gaveta. Outras peças, porém, como a fonte de energia de uma das câmeras, que quebrou, não foram feitas para serem consertadas no espaço, e os astronautas terão de improvisar. Além dos reparos principais, será preciso trocar baterias, repor giroscópios (sistemas que guiam o telescópio) e reinstalar escudos térmicos". Isso, segundo Grunsfeld, "está no limite daquilo que eu acho que as pessoas podem fazer".

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