8 de maio de 2009

NOVO CHAT COM ALUNOS DE JORNALISMO DA UFSC


Nei Duclós

Graças ao jornalista e professor Fábio Mayer, com quem tive o privilégio de trabalhar por três anos na revista Empreendedor, aqui de Florianópolis, todo semestre tenho o prazer de conversar via chat com seus alunos de jornalismo da UFSC. O bom é que o exercício está me dando cancha, como se diz em Uruguaiana,e cada chat fica melhor, principalmente porque fico mais atento ao que me perguntam e estou mais preparado para responder (o hábito ensina). É uma conversa de mais de uma hora, que está integralmente reproduzida aqui. Fica como registro do evento e documento para quem se interessar pelo assunto.

NO PRINCÍPIO, ERA O RÁDIO

P - Vou apresentar a turma pra você...Mariana Porto, Karen Prestes, Sarah Westphal, Marina Lopes, Francisco Dantas, Cinthia Raasch, Larissa Almeida e o professor Fábio Mayer.

R - Boa tarde a todos. É um prazer estar aqui e uma honra.

P - O prazer é nosso! Como surgiu o jornalismo em sua vida?

Nei - Como interesse, muito cedo. Como profissão, só depois de entrar na faculdade. O que havia de jornalismo na minha terra era o rádio. Gostava do noticiário, principalmente das radios internacionais. Voz da América, Radio Pequim, Radio Moscou, BBC de Londres. Estávamos conectados com o mundo nos anos 50 e 60
Como tenho vocacão de conferencista, é melhor vcs me interromperem, pois é conversa para mais de metro. Direcionem, por favor, a conversa.

P - Rsrs, tudo bem

R - Tnhamos um bom noticiario local, regional e nacional, com radios da cidade, de Porto Alegre e do Rio.

P - Só gostaria de acrescentar mais uma pessoa ao chat: Denise Camargo

Nei - Olá, Denise. Pois então, haviam também as grandes revistas, como cruzeiro e manchete, que traziam excelentes reportagens. Dos jornais o forte era o Correio do Povo, mais tarde a Ultima Hora de Porto Alegre. Tudo isso configurou um interesse brutal pelo jornalismo. Lembro que aos 15 anos rodeei a rádio da minha cidade e cheguei a perguntar por uma vaga. Fui recebido, claro, com deboche. Fiquei escaldado e só resolvi pedir emprego quando entrei na faculdade.

Tinha fascínio não apenas pelo noticiário, mas também pelos programas culturais. Recentemente faleceu o Walter Silva, o descobridor da Elis Regina Eu escutava o Walter Silva todos os dias pela Bandeirantes. À noite, escutava jazz pela Tupi com o Fausto Canova. A Bandeirantes e a Tupi pegavam muito bem no miolo do pampa, terra sem obstáculos para as ondas curtas. Em cidade grande, como porto Alegre, perdi o hábito de escutar radio, que foi meu primeiro contato sério com o jornalismo. Mas profissionalmente nunca fiz radio, só uma vez, por três meses, na Gaucha. Mas não valeu. Perguntem.

P - Qual a maior dificuldade que você encontrou ao longo da sua trajetória?

R - O jornalismo não era considerada profissão. Hoje está em crise, mas na época que comecei nem entrava nas considerações, nas opções profissionais. Era coisa de pessoas com dois empregos, boêmios. Como disse meu pai quando deixei a faculdade de engenharia pela de jornalismo: vais ser tocador de violão? Quem me dera. Até hoje não sei tocar violão! Havia muita indiferença e preconceito. Depois virou moda e excesso. Tudo isso num curto espaço de tempo, só uns 40 anos. É pouco, me acreditem.

“O NYT VAI MAL, MAS O DIÁRIO DA FONTE VAI DE VENTO EM POPA”

P - Em sua opinião, a chegada da internet influenciou positiva ou negativamente o trabalho jornalístico? (pode citar exemplos?)

R - Acho que faço parte da primeira geração que encarou o jornalismo full time, como profissão mesmo. Apear de sempre ser mal paga e tirar o couro da gente em qualquer veículo. A rede é um terremoto. A internet desmoralizou uma série de equívocos, de opções que acabaram fazendo o jornalismo decair. Por exemplo, virou febre o tal jornalismo de serviços. Páginas e páginas de serviços, todos os dias, endereço de cinema, que sei eu. A internet simplesmente acabou com isso. os jornais ficaram com o pincel na mão.

P - Desculpe se te interrompi o raciocínio... pode ficar à vontade pra responder direito a pergunta anterior...

R - Esse troço de dicas e serviços é para o espaço virtual., O impresso deve ficar com o filé. Mas a internet é devoradora, cabe tudo nela, jornalismo de todos os tipos. Simplesmente o jornalismo vai ter que se reinventar a partir desse terremoto. A internet influenciou positivamente: acabou essa vaidade da exclusividade. Nada mais é exclusivo. Tudo vai ao ar ao mesmo tempo agora. Ao mesmo tempo, abriu espaços não só para um numero infinito de jornalistas, como eliminou a intermediação do jornalista, em muitos casos. Hoje, a fonte é mídia. Acho a internet a mídia das fontes.

P - Você poderia ser mais específico? O que seria o filé do impresso?

R - Obriga também o jornalista a caprichar mais e a radicalizar, no bom sentido. Mais qualidade, mais agilidade, mais talento, mais criatividade. A concorrência se multiplicou e os veículos estão em xeque. Costumo dizer: o NYT vai mal, mas o meu Diario da Fonte vai de vento em popa. rs rs rs

P - rsrsrs

R - Claro, não custa nada para ninguém. Esse é o desafio. Como fazer jornalismo sem remuneração?

O filé do impresso é a essência do jornalismo. A grande reportagem, super bem escrita, bem apurada, livre. Como existia mito em tempos idos e depois caiu em desuso. A grande reportagem sobrevive, mas muito amarrada. Acho que o NYT pode se livrar de toda a tralha e trolhas e ficar só no que é essencial, as grandes reportagens que lhe dão tantos Pullitzers. Para isso não precisa ter uma sede gigantesca.

Ou o impresso retoma seu caminho ou some de vez. Ninguém tem saco de comprar jornal impresso para ler abobrinhas ou saber onde vai passar o filme tal. Todo mundo sabe: o filme tal está na rede!

P - Pois é... Alguns pesquisadores acreditam que os jornais diários impressos vão desaparecer. Qual a sua opinião sobre isso?

R - Acho que não. Vão ficar só os melhores. As porcarias, que é o que mais tem, vão sumir, acredito. E vai ficar aquela maravilha de jornal que todo mundo espera para ler, folhear, pegar, cheirar. Isso vai continuar. Junto, paralelamente, com a rede. Hoje não existe jornal que você fica na banca esperando chegar, como acontecia com o Pasquim do Tarso de Castro, o Globo do Nelson Rodrigues, o Cruzeiro das grandes reportagens. Os jornais encalham porque são ruins. Não é culpa da internet, é culpa do jornalismo e das empresas de comunicação. Agora que dizem que o impresso vai acabar é que me dá vontade de dirigir um. Sem ab rir mão do jornal virtual, claro.

P - Se precisar de repórteres....... rsrsrs. A exemplo do NYT, você acha que no Brasil as grandes empresas jornalísticas, familiares, também seguem essa tendência de decadência e vão ter que repensar sua estratégia de comunicação?

R - Vão ter que repensar tudo, acabou a moleza, acabou a ditadura. Acabou o mesquitismo, o frianismo, os Tanure ou que sei eu. Os jornais precisam retomar sua essência, ou seja, ter jornalismo separado da publicidade. Repórter, talento, é que não falta. É um assombro o que temos de gente boa em todas as gerações no Brasil. Tudo desperdiçado. Os jornalistas precisam voltar a ser bem pagos, tem que acabar essa exploração de mão-de-obra absurda em que as pessoas ficam horas, dias, semanas apressados em frente ao micro tentando dar furo. O furo acabou. Hoje o furo está no Twitter. Jornalismo não é furo, é texto/talento/coragem.

Jornalismo também não é denuncia. Ficam achando que temos jornalismo porque temos denúncias. Estas, são manipuladas pelos interesses. E quando surgem as falcatruas, todos apontam o culpado: povo, claro, que elegeu os políticos! É de chorar.

A MEMORÁVEL PAUTA DE EDENILTON LAMPIÃO

P - O que o jornalista deve observar e fazer, hoje, pra se destacar, já que os furos não são mais nosso foco...?

R - Estamos rodeados de pautas. Pauta não precisa de gancho, quem precisa de gancho é açougue. Acho que a pauta bem sacada é meio caminho andado. Precisa prestar atenção.Vejam o caso do Edenilton Lampião, lá de São Paulo. O Lampião (tinha esse apelido porque era do nordeste e usava óculos redondos) passava todos os dias na avenida Paulista. Lá estavam aqueles casarões tombados pelo patrimônio, mas que os donos não queriam preservar, e sim por abaixo para vender caro (que foi o que aconteceu). Numa janela, o Lampião viu aquele velho, aprecia ter uns duzentos anos. Todos os dias estava lá. Um dia Lampião foi até a janela e quis saber quem era. Descobriu que era o psiquiatra que livrou o Nelson Gonçalves da cocaína. Colocava quilos de coca em frente o Nelson Gonçalves, que via aquilo e acabou perdendo o vicio.

Veja a pauta! O Lampião escreveu milhões de linhas e o Miltainho, o Mylton Severiano, o maior editor de texto do Brasil, transformou a matéria numa reportagem maravilhosa. Foi publicado no tablóide do Samuel Wainer, Aqui, São Paulo. Trabalhei lá com o Samuel Wainer mais tarde. Samuel me dizia: o Lampião ficou célebre com essa matéria. Não é uma maravilha?

P - O que você pensa da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista? Pode haver qualidade no meio jornalístico sem formação universitária?

R - Pode haver nos dois modos. Acho importante a formação universitária, mas não apenas especificamente no jornalismo. Acho que uma boa faculdade, uma boa formação acadêmica resolve. Depois, se aprende. Acho que não deveria haver obrigatoriedade do diploma. Eu mesmo tenho diploma de Historia da USP. Acabei não me formando em jornalismo. O AI 5 pegou meu curso de jornalismo pelo meio. Entrei em 68. Em 69, era clima de vazio na faculdade. Não deu para continuar.

P - Como foi pra você trabalhar com Samuel Wainer e Mino Carta?

R - São escolas de jornalismo. O SW tinha um olho clínico e grandes idéias. Me deu uma coluna sobre juventude para fazer, me colocou na reportagem policial, entre outras coisas. Era um cara dinâmico demais, um grande repórter que inventou um império do nada. Depois, com o golpe de 64 caiu em desgraça.

O Mino Carta tem a formação de país rico, faz jornalismo americano, todas as suas revistas são inspiradas no modelo americano, mas gosta de dizer que faz parte do jornalismo italiano. O Mino é um líder, e um cara de vanguarda. Na Senhor dos 80, tínhamos uma redação enxuta e um grande veiculo. Era um veiculo influente e super bem feito. Trabalhei pouco tempo com o Samuel, um ano no máximo, mas fiquei seis anos trabalhando com o Mino. Com o Mino aprendi a fazer um veículo a partir do nada.

P - Qual foi a influência da ditadura na sua formação como ser humano? E como jornalista? Como foi viver sempre vigiado, censurado? Essa experiência determinou em você a formação de uma postura mais crítica e engajada?

R - O mal que a ditadura nos faz a gente acaba descobrindo com o tempo. Enquanto dura o entusiasmo e a juventude, vamos levando. Depois vemos o quanto a gente precisou recuar, se acomodar. Sorte que com a internet foi possível cortar essa pressão e voltar o front. A posição critica eu ganhei na faculdade, militando no movimento estudantil e lendo autores da esquerda. Nas redações, éramos sempre os insubordinados, fazendo greve, saindo em massa, procurando driblar a censura. Foi barra. Saindo em massa: pedindo demissão em massa, como aconteceu várias vezes.

P - De quem você acha que é a culpa do jornalismo sem graça feito hoje em dia?

R - Das empresas de comunicação e dos poderes econômicos e políticos. O jornalismo é uma profissão perigosa, tem poder. É preciso esvaziar isso, manter o tacão, ficar de olho em cima do talento, da coragem, da liberdade de estilo. Vejo o sistema econômico como uma grande ditadura financeira mundial. O país está sintonizado com isso. Acho que continuamos na ditadura, apesar das aparências em contrário.

Acho impressionante as consultorias. Eles chegam, fazem a limpa, tiram as pessoas mais capacitadas, deixam apenas a mão-de-obra barata, padronizam tudo, levam o veículos à bancarrota e depois saem para fazer o mesmo serviço em outro lugar.
Os consultores não tem qualidade de texto pra passar numa peneira séria. Só isso dá a dimensão dessa sacanagem.

MUITA POESIA NA REDAÇÃO

P - Vamos falar um pouco sobre você agora... Todos introduzem Nei Duclós como poeta, jornalista e escritor. O que disso tudo você é mais (poeta ou jornalista) e quanto de poesia existe no seu modo de fazer jornalismo?

R - Acho que a literatura te fornece todos os recursos da linguagem. Isso pode ser aplicado ao jornalismo. Veja o caso do Ano da Peste, do Daniel Defoe, sobre a peste bubônica no século 18 em Londres (Artes e Ofícios, 2002, tradução de Eduardo San Martin). Ele inventou um narrador fictício e usou dados concretos da peste. O resultado, jornalismo literário, é magnífico, considerado a obra-prima do autor do Robinson Crusoé.
Sou essencialmente poeta. O resto veio depois. Comecei na poesia aos nove anos de idade, no jornalismo aos 20. Mas o jornalismo também influiu na minha poesia

P - Você já publicou seis livros. O que você busca transmitir através deles?

R - Só complementando a poesia e o jornalismo. Desculpem a auto-citação, mas vejam este poema

TODOS OS DIAS EU DIGO

Nei Duclós

Todos os dias eu digo:
escreverei um poema
Todos os dias eu falho
escrevo acontecimentos

O poema é a notícia
que não veio
que ficou no meio
censurada pelo tempo
(pela caneta
de um funcionário alheio)

Pois o tempo é exigente
e exerce o medo
como um cão no jardim
de olho azedo

Todos os dias eu pulo
no quintal seco
e sou mordido no ventre
(lugar onde o vento
não chega)

De mim nascerá um filho
talvez eu mesmo
que não morrerá tão cedo

Até lá
mil gerações
tombarão antes do tempo
(a eternidade não tem
a pressa que eu tenho)

P - Tá desculpado! rsrs... muito bom o texto!

R - A poesia é misteriosa, ela vem de algum lugar, nasce muitas vezes pronta, parece ser soprada. Mas o que eu busco é expressar a barra de estar vivo e lançar pontes para os contemporâneos. E também viver desse oficio de escritor, o que é muito mmais dificil. É a fase em que me encontro agora, tentando viver da profissão de escritor.

P - Você utiliza a poesia como um desabafo?

R - Não, como construção de linguagem, como obra que busca a permanência. Não como divã, mas como engenharia da linguagem. Poesia para ser dita em voz alta, para convocar, acontecer. É a minha pretensão e meu sonho.

P - Outubro, além de ser o mês de seu aniversário, é também o título de seu primeiro livro e nome de seu blog. Qual a sua relação com esse mês (ou com o que parece ser o estado de espírito)? Tem a ver só com seu nascimento ou vai além disso?


R - Outubro é mudança de estação, chegada de primavera. Também lembra a época das revoluções, a russa, a brasileira de 1930. Outubro é também uma bomba em termos de vogais e consoantes, palavra muito sonora, que se desdobra em muitas outras. Meus poemas, em sua maioria, estão na rede.

P - Sim, nós demos uma espiada antes do chat. hehe

R – Certo. A rede é o fim da gaveta. Faço um poema e imediatamente coloco no ar. Mas sempre fiz poesia enquanto trabalhava em redações. Escrevi livros inteiros na hora do expediente

P - Pode ter certeza de que vamos ser leitores mais assíduos dos seus textos depois desse papo!

R - Espero que sim. Um autor precisa de leitores, que também são escritores. É um círculo de grande poder cultural, ler, escrever, compartilhar a obra uns dos outros

P - Pra encerrar, gostaríamos de fazer mais uma perguntinha sobre jornalismo...Qual o conselho que você daria aos estudantes de jornalismo que desejam trabalhar em grandes jornais e sonham em ser bem sucedidos?

R - Diria: sim, é possível. Aposte alto. O lugar está te esperando. Vi isso acontecer comigo. Cheguei duro, sem lugar para ficar e de repente estava assinando matéria de capa na Ilustrada. Havia uma vaga de redator lá, estavam desesperados. Pois então, cheguei bem na hora. Tem gente demais e vaga de menos? Não acredite nisso. Os grande veículos são carentes de bons quadros. Acredito porque real. Aposte alto. Jamais diga: isso não é para mim. É, sim, para você. O sucesso é justo e deve ser alcançado. Não o sucesso a qualquer preço, mas o sucesso que chega a partir de escolhas sinceras, solidárias. A ética é o melhor caminho. Precisa é ter fôlego, paciência e determinação. Coloque-se no miolo do furacão. Assuma seu lugar. E prepare-se. Leia, escreva, ouse, informe-se, fique tento aos contemporâneos.

P - Nei, muito obrigada pelo papo! Foi um prazer conversar com você, saber das suas idéias... agradecemos muito pela atenção!

R - Acho que é isso. Vim de longe de uma pequena cidade do interior, sem nenhuma pessoa da família jornalista. Inventei o caminho. Numa época braba. Vi isso acontecer com muitos de nós.

P - Levaremos com muito carinho seus conselhos e um pouco da sua experiência, pra servir de exemplo, né...

R - Eu é que agradeço. Fico feliz e repito, honrado. Mantenham contato comigo.
Sempre que precisar, estou á disposição.

P - Nós podemos entrar em contato pra fazer mais algumas perguntas, eventualmente?

R - Claro, à vontade

P - Ok, então!

R - Maravilha, boa tarde a todos

RETORNO - Imagens desta edição: a foto principal é de Daniel e Carla Duclós, na sua recente viagem aos Alpes Suíços (o que tem a ver com jornalismo? Caminhos, penso eu, perspectivas; e também porque a foto é belíssima e tem a ver com essa produção múltipla na rede); as outras são, pela ordem: Walter Silva, NYT, Nelson Gonçalves, o livro Outubro.

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