23 de abril de 2020

O HERÓI: CINEMA EM CAMADAS

Nei Duclós


Cada momento da terra gera uma camada que se acumula sobre os vestígios da época anterior e essa pilha de níveis diversos serve pra decifrar as eras geológicas. No filme O HERÓI (2017, Netflix) acontece o mesmo. Uma camada de cinema nesta obra onde brilham grandes intérpretes, é muito  remota: trata-se do gênero faroeste, hoje em decadência e quase totalmente sumido e que neste filme serve de referência para o drama do ex-cowboy veterano e em fase terminal (Sam Elliot, incorporando a si mesmo, já que participou de vários faroestes como Butch Cassidy e Sundance Kid).

Outra camada, mais próxima, são as cenas do filme lendário interpretado pelo personagem e que aparecem em seus sonhos. E há a camada do filme em si, tratado como "realidade", em que o ator de 71 anos faz comerciais e aguarda algum papel importante. Mas é tarde demais e o diretor e roteirista Brett Halley mostra um sobrevivente que sente remorso e procura continuar fugindo, enquanto as mulheres d sua vida, interpretadas pela namorada Laura Prepon, a filha Kristen Ritter e a amiga Katherine Ross (esposa de Sam na vida real) o levam para um reencontro consigo mesmo e seus vínculos afetivos.

Serve par desconstruir um mito hollywoodiano do herói que a todos vence, colocando o ex-vencedor diante da sua mortalidade. O saldo positivo é a sinceridade e a lucidez do ator que não espera mais nada  nem acredita em sua carreira, considerada vitoriosa. A camada explícita, da história sendo narrada como realidade, enterra as ilusões da camada mais remota, o gênero que serviu para fundar o mito da América.

É um filme maravilhoso. Todo filme é sobre cinema.




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