26 de setembro de 2012

RECADO



Nei Duclós
 

Caí do alto da madrugada. Abriu o paraquedas do teu sonho.

Leve consigo o recado dos deuses. Eles falam em código, por sinais dispersos. Junte-os no poema

É difícil despertar para o que parece ser o Mesmo. Mas o dia guarda um segredo. Procure em teu coração tranqüilo.

A brisa que dobra a relva é igual à minha vontade em voo de pássaro sobre teu arrepio.

Perca a paciência para a desesperança. Há sempre lugar para o amor, despertar dos sentidos.

Gosto do teu remorso. quando lamentas a amargura. Prepara o futuro, teu coração pronto para a doçura.

Estaremos prontos para partir quando imaginarmos o mundo impregnado por nossa coragem.

O que deixas de dizer se perde. No lugar dessa fuga assume o que sempre negas.

Não tema repetir as palavras que te invocam. Basta mudar de posição que elas se revelam em mais sortilégios.

Cultura é o esforço de sentir e compreender. Cruza o deserto da estranheza e se alimenta da água de plantas amargas para gerar o fruto que permanece.

Vibre, mesmo sem motivo. A vida só existe quando ficas trêmula.

Quando o silêncio é a indiferença, melhor o ruído dos teus medos.

Não vamos perder a conta. Há dez telefonemas não te vejo.

Crescente ganhou barriga, vai gerar a Lua Cheia.

O mar é a representação do infinito. Navegar nele é impor limites, recortar as bordas de um convés que abrigue teu corpo líquido

Viver é gritar por socorro sem que ninguém escute. A solidão é o ponto exato onde se situa a nossa natureza no cosmo interminável.

Não ousamos ser amantes. Tínhamos compromisso com o sofrimento

Você passou por isso, me entende. É como ser trespassado por um trem e continuar ileso, mas com a ferida ainda aberta, doendo.

Palavra não foge do expediente. Cumpre sua sina, põe na mesa, depois retoma para sua vocação de beijo.

Não tente retomar o ritmo do nosso entendimento. Rompeu-se para sempre. Não confiaste que eu estava te querendo.

Chegaste no ninho e nem disse nada. Foi forte a balada.

Venha, bonita. Sou teu aperto, antes e depois do banho.

Ficas monitorando, laço de fita. Cabelo no ombro, olho de pérola fria.

Crescente no zênite, universo cortado como queijo, metade para a noite, metade para o sereno.

O mercado da poesia tende a desaparecer, dizia a manchete. Alguma vez existiu? perguntou o mendigo trovador.

Só tenho um poema, disse o menino. Serve, disse o contrabandista. Agora te manda.

Cheia de querer. Transborda. Sou o vale onde estendes tuas águas.

É hora em que o dia recolhe suas luzes como numa aldeia colocam crianças ao redor da lareira. Aí vem a Noite, pontuada pela Lua, rainha, e o séquito de estrelas.

Onde fica tua ausência quando o domingo desmaia? Se eu soubesse, poderia entender teu esconderijo.


RETORNO – Imagem desta edição: Anna Bederke.