Nei Duclós
Já te perdi. Me explique porque o mundo continua.
Não preciso te explicar. Leste o verso quando eu levantei os
olhos para não chorar.
Se eu tirar o poema, fico sem serventia. Passarás por mim
com tua postura de rainha no exílio.
Amor é o que costura. Vivemos aos trapos soltos no vento dos
minutos.
Quando enfim conseguirmos acertar o ponto, estaremos prontos
para fugir um do outro. É sempre assim, amor sem futuro.
Te invento comigo, se consentires.
Não há sentido na tarde se não houver um abraço.
Hoje começa a primavera, com o azul que eu perdera e o som
de despertar a terra.
O maior prazer é a doçura. O maior arrebatamento é o amor. A
maior emoção é a bravura.
Ouvi um grito longo no dia claro. Era apenas teu suspiro que
turbinou o espírito.
Aquele tope de fita por trás do que escondias. Vontade de
romper o selo do teu fingido recato.
Não suporto a atenção que desvias para outros alvos. Quero o
dissídio coletivo para que só eu toque a barra do teu vestido.
Tentei te pegar, mas era tarde. Na hora do toque te
desmanchaste.
Ficaste escondida esse tempo todo. Foste traída pelo olho
rútilo, aquoso de tanta vontade.
Recortas o impossível do previsível pano. Costuras um
vestido que impressiona. Em ti ele revela o que mais esconde.
Corto o bolo do evento. Dentro sais dançando o arabesco de
metal luzente. Brilho que me cega por um momento. Quando caio nos teus
encantos.
Preciso dizer sempre para que não digas nunca.
No toque no fundo. Passe ao largo. Beije a borda para evitar
o abismo. Sue a camisa do domingo.
Embale o dia que está nascendo. Dê-lhe colo e curta o que
ele tem de mais precioso: a prova de que há vida.
ACORDE O SONHO
Se achar que é perda de tempo, se mande. Eu cultivo a
solidão como um projeto manso. A toda hora tiro uma maçã do bolso.
Deixe-se cobrir enquanto hibernamos. Nenhum frio é capaz de
apagar esse fogo.
Não acreditas que te amo. Pior para o amor, esse
delinquente.
Não sou previsível, como a elipse dos cometas. Nem
surpreendente como os buracos negros. Sou o luar que te banha quando, por falta
de ar, abres a janela.
Não pense que está vendo tudo. O que te escondo é a flor que
cultivei sofrendo.
Já falei que Scorpio está chegando? Afio as garras na
amoreira.
Não me peça o que não tenho. Prudência, por exemplo, dos
imóveis seres do planeta chumbo.
Digo ao vento o que te digo no canto. A palavra acorda se
fores sonâmbula.
Um ficcionista não mente, ele inventa uma outra realidade.
Inventei, por exemplo, o beijo que te dei agora.
Acorde o sonho.
RETORNO – Imagem desta edição: obra de Steve Hanks.