12 de outubro de 2010

RODÍZIO


Nei Duclós (*)

O universo é limitado e se expande até suas fronteiras, quando então volta ao ponto de partida. O tempo é sua metáfora quando se comporta como um pêndulo. Em vez do relógio antigo de parede, prefiro a idéia de uma barca de parque de diversões, lotada de gente. Cada ponto da trajetória oscilante é um momento da história humana, em que encarnamos com o único objetivo de permanecermos eternamente vivos.

Não embarcamos em estações postadas em fila como numa estrada reta até o desconhecido, mas numa espécie de carrossel. Nem sempre descemos no futuro. Podemos ter a surpresa de “voltar”, amanhecer num século considerado morto e lá interagirmos com nosso acervo de vivências acumuladas.

É por isso, talvez, que algumas pessoas são consideradas “à frente do seu tempo”. Na estrutura do pêndulo, esse é um conceito inadequado. As crianças trazem do Outro Lado a memória de épocas que estão por vir. Não que não tenham acontecido, mas se situam adiante no rodízio misterioso do tempo. Ou então trazem o que já esteve por aqui como se fosse hoje.

Noto isso nos filmes de animação do gênio japonês Hayao Miyazaki. Em suas obras preciosas, que nos deslumbram há mais de 30 anos, as cidades tão generosas em detalhes fazem parte de uma soma de eras urbanas. Os personagens navegam nelas com dons poderosos. São adolescentes bruxas em rito de passagem ou garotas conformadas com seu destino de isolamento e que acabam sendo arrastadas para uma viagem assombrosa, como em Howl's Moving Castle, o castelo voador que tinha portas variadas para tempos distintos.

Os escritores de literatura, fonte de inspiração para Miyazaki, como Diana Wynne Jones, são capazes de revelar esse cruzamento de pontos distintos do pêndulo em histórias em que as pessoas rompem barreiras sem se impressionar com isso. Tratam o mágico como se fosse o prosaico e nos carregam para possibilidades bem mais perto da real estrutura do universo do que muito cientista. Jorge Luis Borges, que jamais ganhou o Nobel de Literatura, é assim. Wynne Jones, com livros que fazem sombra ao megasucesso Harry Potter, também.

O perigo que corremos é ter a mediocridade no leme dessa barca oscilante. Isso faz com que não prestemos atenção nos verdadeiros talentos. Mas sempre temos a chance de nos redimir. Basta abrir o livro certo, ver o cineasta maior e pronto.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 12 de outubro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: o castelo voador de Hayao Miyazaki, que tem portas variadas para espaços e tempos diversos.

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