24 de outubro de 2010

O QUE É SER DE ESQUERDA?

Ser de esquerda, originalmente, é enxergar a história da humanidade como a história da luta de classes e colocar-se a serviço da classe mais oprimida, a dos operários, para se assenhorar dos meios de produção e assim romper com o ciclo de alienação do trabalho, criando uma sociedade comunista, onde tudo será repartido entre todos igualmente. Para tomar o poder, é preciso usar as forças sociais insurgentes e postar-se como vanguarda das lutas populares, para queimar etapas.

Lênin conseguiu isso implantado o terror. Trotski enxergava a revolução como permanente e por isso foi assassinado pelo burocrata estabilizador Stalin. Cubanos e vietnamitas apostaram na guerrilha. Gramsci mandava a ética às favas. Latino-americanos sonham com uma URSS cucaracha. Na Europa, desaguou no estado social, hoje fazendo água com a globalização. Em todo o mundo, partidos da esquerda estão em baixa, com exceção do Brasil e alguns outros países, que tardiamente se manifestam depois de décadas de repressão.

Mas os teóricos da esquerda estão blindados por uma capa de charme intelectual, já que de Marx a Sartre, são bambas nos diagnósticos e uma tragédia nas propostas de ação. Como os livros sobrevivem às ditaduras, a memória preserva o que está escrito, enquanto os crimes são acobertados por uma grossa camada de álibis. Colaboram com isso as ideologias da direita, a superexploração das nações e das massas e a transgressão de todas as leis e fronteiras do sistema econômico internacional, que se comporta conforme definiu o marxismo clássico, que foi capaz de enxergar claramente um fenômeno nascente no século 19, o capitalismo.

No Brasil, a esquerda é uma sucessão de desastres, não apenas na prática, mas também na teoria. Não temos um pensador marxista decente, apesar de haver muito marxismo em uma série de autores brilhantes. É sintomático que nosso melhor analista, Raymundo Faoro, com sua imbatível tese sobre os donos do poder, a percepção de que é o estamento, a classe senhorial e política, que domina o país e não a burguesia, não seja marxista. Mas se você pega Nelson Werneck Sodré, com sua teoria engessante sobre o Brasil, ou Leôncio Basbaum, com sua História do Brasil sob a camisa de força do que ele imaginava ser o marxismo, vemos a miséria mental da esquerda entre nós, uma situação que chega ao apogeu em titulados toscos como Emir Sader ou Francisco Weffort.

A esquerda perdeu inúmeros bondes da História. Primeiro, na revolução e 30, quando Luis Carlos Prestes se recusou a liderar militarmente o movimento (recusou-se depois de sumir com o dinheiro enviado para ele para se organizar), preferindo arriscar numa aventura cacifada pelos russos, em 1935, quando jogou no lixo mais uma oportunidade de participar do processo democrático, plenamente vigente na época com um governo constituinte. Em 1964, foi a esquerda que cercou o presidente trabalhista João Goulart com agitação acima do suportável, levando-a para o desenlace trágico do golpe de estado da direita civil, depois abarcado pelos militares. No Brasil pós anistia, a esquerda abraçou-se ao Partido dos Trabalhadores, que ao tomar o poder assumiu um governo voltado para os banqueiros e hoje faz de tudo para impedir a irresistível ascensão do candidato José Serra.

O PT deixou de ser de esquerda com o mensalão e ao aliar-se a Collor, seu mais notório ex-inimigo, mas a casca se mantém, com uma candidata pré-definida pelo próprio presidente como poste. O grande erro do governo foi apostar todas as suas fichas no primeiro turno. Não contaram com a sensibilidade política de Serra, que escutou os apelos e transcendeu as origens da sua candidatura, assumindo uma postura de presidente de união nacional.

Hoje, cada voto conta. A indecisão pode ser fatal. Não podemos abrir mão da chance de riscar do mapa federal essa súcia palaciana que empalmou o poder e ainda convence com seu discurso ciclotímico, com todas as nuances da psicopatia. Vejo pessoas talentosas se atirando cegamente numa imagem formatada ao longo da vida. Fica difícil mudar a percepção depois de tantos anos de envolvimento com algumas idéias. Mas essa é a natureza da mudança profunda: contrariar o que envolveu nossa mente como se fosse um cânone. Basta abrir os olhos e ver o clamor da nação mobilizado para evitar mais crimes.

Não viaje no feriadão, não jogue fora seu voto, decida-se pela erradicação dos que se dizem de esquerda, mas são piores do que isso, são apenas fisiológicos. Queremos promover um funeral da atual situação nas urnas. É preciso ganhar de ponta a ponta, desde o primeiro momento da apuração. Senão, poderá haver fraude ou acontecer o pior. Mas temos fé que tudo vai correr bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário