5 de outubro de 2010

O PLEBISCITO: MARINA E A CHAVE DO TAMANHO


No capítulo O Plebiscito da sua obra-prima, A Chave do Tamanho, Monteiro Lobato mostra o desfecho de um drama. Para acabar com a guerra, que podemos comparar com a situação do Brasil de hoje, envolto em violência e corrupção, Emília e o Visconde resolveram diminuir drasticamente o tamanho das pessoas, para que eles perdessem sua importância e autosuficiência. Todos sabem que o tiro saiu pela culatra. Com a humanidade reduzida a dimensões de inseto, virou alvo fácil de predadores, como pássaros, porcos e gatos.

Mas a mudança tinha seus encantos. Havia a ilusão de que a transformação humana dera bons resultados. Uma nova sabedoria assomava entre os grandes estadistas que viviam da guerra e agora precisavam pensar direito na sobrevivência da espécie, já que estavam nus entrincheirados em tocas, fugindo de animais domésticos. Por isso, foi feito um plebiscito, como a que faremos no dia 31 de outubro, para decidir se a pseudo revolução ficaria para sempre, apesar dos estragos feitos, como a mortandade e a hegemonia dos animais sobre o espírito humano.

Líder de uma nova tirania, a boneca Emilia, que não tinha diminuído dos seus 40 centímetros, agora era uma gigante, assim como o sábio Visconde Sabugosa, seu aliado. Ela contava com o voto de Visconde para continuar reinando numa casa que construiu na cabeça do sabugo. O problema é que o voto decisivo, o voto de Minerva, ficou a cargo dele, Visconde. E, para espanto da criadora, a criatura se rebelou e votou a favor do bom senso, da volta à situação clássica, em que as pessoas tinham uma chance contra a barbárie.

Eis o trecho dessa história edificante e atualíssima, que cabe hoje como nenhuma outra no Brasil às vésperas de decidir seu destino.

"O Tamanho estava ganhando. Havia 5 votos a favor do Tamanho e só 4 contra. Mas com os dois votos finais, o dela e o do Visconde, o Tamanho seria derrotado por um. Emília voltou para a cômoda muito contente. Em seu rostinho brilhava o sorriso da vitória.
— Os votos do terreiro — disse ela — aumentaram a contagem a favor do Tamanho, mas há ainda os nossos, o meu voto e o do Visconde, e nós votamos contra o Tamanho. Temos assim 6 votos contra e 5 a favor. O
Tamanho perdeu. Viva, viva a criançada!
Dona Benta interveio.
— Como o Visconde se acha presente — disse ela — não vejo razão
para que outra pessoa vote por ele. Qual é o seu voto, Visconde?

Emília estava mais que certa de que o voto do Visconde iria ser igual ao seu, não só porque o Visconde era uma propriedade sua, um verdadeiro escravo, como porque, depois do apequenamento, ele se tornara um gigante gigantesco e, pois, muito mais importante que o pobre sabugo de pernas que sempre fora. Mas enganou-se. O Visconde andava com medo das suas tremendas responsabilidades novas, e cansado de ser dirigido daqui para ali pela Emília, e sujeito até a ser emprestado a governos como se fosse um guarda-chuva. Ah, muito melhor a sua pacata vida de antigamente, em que
era pequeno entre os grandes. Muito melhor a vida calma de modesto sabugo de perninhas do que a vida agitada de maior gigante do mundo.

Além disso, aquela "fazenda" em sua cartola já lhe andava dando dores de cabeça. Começara uma simples janelinha na cartola. Depois vieram a porta, as sacadas, a plantação de musgos e chapéus-de-sapo, e os órfãos, e os besouros do Juquinha, e aquilo fora virando quarto de badulaques e museu.
Emília levava para lá quanta coisa curiosa descobria pelo caminho — moscas secas, caquinhos de louça, ovos de borboletas e até corações e rins secos de minhocas, lá da charqueada de Pail City. Era demais. E o Visconde não tinha dúvida nenhuma quanto aos "melhoramentos" que ela acabaria introduzindo em sua cartola — até uma lareira como aquela da Casa Branca, com grande perigo de incêndio em sua cabeça.

O melhor era dar um golpe de morte na Nova Ordem. E foi assim que, quando Dona Benta lhe perguntou qual era o seu voto, o Visconde respondeu intrepidamente:
— Voto pelo Tamanho!
— Miserável! — berrou Emília, e em seu desespero caiu do alto da
cartola, machucando o nariz. A criançada também protestou:
— O voto dele não vale! Ele é milho! Milho não vota!
Dona Benta, porém, manteve o voto decisivo do Visconde.
Vendo que não havia remédio senão conformar-se com a opinião do
maior número, Emília fungou, fungou e, com a mais nobre humildade — grande exemplo para todos os ditadores do mundo — disse para o Visconde:
— Pois vamos para a Casa das Chaves, macaco!"

RETORNO – O livro está digitalizado neste endereço.

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