5 de março de 2014

INTERIORES



Nei Duclós

Mostramos nossos interiores, tão iguais aos de todos. A nação é a soma de corredores.

Já que não me dás amor, me venda, disse o mendigo. Minha moeda são as metades de um coração partido.

Fantasia é o que silenciamos enquanto o esforço da conversa nos cansa.

Me dizes adeus no teu bom dia. Meu aceno morre sozinho. Melhor assim, doce planície

Mais que bonita. Além do limite. No círculo do amor que se expressa em signos, jamais decifrados em sua origem.

Encerro o expediente, fecho o estabelecimento. Se quiser atenção, sorria enquanto é tempo. Posso fazer serão, noturno encanto.

Já vai longe o tempo que te quero. Subo a ladeira do meu sonho.

Não te convenço, exigência plena. Guardo para mais tarde o beijo. Uma hora terei vez.

Bela em todos os sentidos, me sintonizas.

Fugiste de mim no Carnaval. Inauguraste as Cinzas precoces.

Curto médio tua dança cheia de graça, só de ciúmes.

Ofertaria flores se você existisse.

Enviei meu último sinal. Se voltares, notarás que ele ganhou a cor sépia dos documentos antigos.

Ninguém nos responde. O tempo ficou mudo. Ou foi o coração que ficou surdo?

O amor é uma chave que liga ao eterno, um clic na parede branca do apartamento solitário.

Voltamos sempre aos mesmos lugares, banco do primeiro beijo, passeio de eternos olhares.

Te perdoo por não ter te conhecido. Mas não me perdoo.

Poemas ao portador. Não dou indireta em versos. Pode ser que sirva. Pura linguagem de fontes generosas.

COBIÇA

Minha poesia já nasce antiga.
Tem conforto de praça
em tarde sem chuva.

Não faz maratona, nem conflitos.
Não enterra o já dito por outros,
bem mais explícitos.

Escorre, mel selvagem,
atraindo tua cobiça
em forma de mariposas.

CACIMBA

Gota na cacimba, a palavra banha o dia
com pingo minimalista. Ela pira tua sede
e refresca a esquecida esperança

ESCUTE

Escute seu poema
antes de lançá-lo ao ar.
Sintonize o som, prove o ruído,
note onde flui e onde se quebra.
Encontre o ritmo, como o pássaro
antes de se atirar, menino,
na perigosa rota sobre o oceano.

ALÉM

Estrela, que transcende palavras.
A mais bela, muito além
da cota de admiração
que nosso coração suporta.

PUNHAL

Lembro do poema, mas esqueço
cada verso é um punhal no peito



RETORNO - Imagem desta edição: Romy Schneider