15 de março de 2014

OUTRO TEMPO



Nei Duclós

Toca o sino ao longe. Num outro tempo.

Poesia não tira pedaço. Só junta corpo no mesmo abraço. Distribui o sonho nos intervalos do rolo. Peita o mal só com a palavra.

Somos o que você imagina. Esse teatro em peça íntima.

Digo qualquer coisa para te convencer. Só quando desisto me dás colher.

Teu coração se perdeu no deserto. Por isso dizes que não existe.

Provas porções de mim e desaprovas. Junto os pedaços na Lua nova.

És perfeita porque a arte não existe mais. Fica a memória, grudada em nós.

Me varres para fora do farol e apagas a luz. Fico só no horizonte do mar.

A Lua emite o brilho que escondi. Sou o lado escuro de ti.

Impossível representar o sentimento. Sempre falta algo, coração que sobra.

De vez em quando me dizes. É quando pulo na cachoeira.

Submerja comigo, escama sonâmbula. Pinte no coral onde o amor se banha.

Roupa é a pele, com ela nos encontramos no mundo. A pele mesmo é a perdição.

Tua graça é meu presente. Recebo com o olhar ardendo.

Só de vez em quando te toco. Para que não percas o hábito de tremer que me despertas

É feita de matéria escura a sensação de espanto que experimento quando brilhas.

Estou dormindo. Você está me amando?

Hoje não teve serão contigo. Fiquei na esquina, com um assobio perdido

Somes por encanto. Fico no mesmo plano, te procurando.

Não falo em rendas porque ficas desconfiada. Falo em poesia. Tecida em tua pele.

À meia noite estás com as defesas de lado. Hora daquela falta de cuidado.

Precisamos do excesso em tudo o que fazemos, para compensar a ausência eterna antes e depois desta passagem.
 
Você deixa passar o verso mais invasivo e disfarça nadando em águas prudentes. Mas há sempre um mergulho agendado pelo teu corpo.

Diga oi para mim. Não dói.

Deitamos no campo de olho nas estrelas. Somos cadentes de tanto abandono.

Virá aquele sentimento de querermos alguma coisa, indefinível. Um beijo demorado, que dure um século. Ou algo parecido.

Volta a chover. Chuva enxovalhada, depois de nuvens de ameaça. Cortinas viram velas de navios. O vento quer te molhar.

Não se assuste, estou de saída. Podes me substituir, mas teu coração me espia.

Já ficamos. Depois fomos. Agora estamos, já que não voltamos.

Na tua pesquisa sou traço. Mas amplio o espectro do abraço para caber mais dados.

Voltas do verão com a pele em fogo. Deitas em meu outono de branda chama. Dura mais, até o próximo milênio.

Não me vês, não precisa. Basta que sinta.

Cedo estou no front, alma minha. Cedes atenção, carta que chega limpa, borrada de coração.

Saber é cair em tua percepção madura. Entender o mecanismo da diferença que nos conquista.

Duelamos com as palavras enquanto o corpo espera. Foi um esbarrão que desencadeou essa faina.

Não devia recompor o que parece ser para sempre disperso. Nada sabemos do que virá desse gesto que inaugura espaços.

É cedo para a poesia. É preciso deixar que suma o desconforto das notícias.

Quis dizer de novo o que teu perfil de flor e brinco me permitem. Mas já estavas dita, lírica armadilha.

ESPARSAS

Ninguém tira o que temos de mais fundo.
Nunca mudamos o que nos faz inteiros.
Temos essa essência possível,
superfície que parece espuma,
que nos identifica e cruza qualquer tormenta.

- Por que és tão malvado? ela perguntou.
- É a minha natureza, disse ele.
- E isso não tem cura?
- Só piora.

Quando olhamos nossa imagem
em tempos de tristeza,
nos perguntamos por que às vezes
perdemos o senso de eternidade.