25 de março de 2014

OUTRA SOLIDÃO







Nei Duclós

Tentei, mas foi em vão. Eras de outra solidão.

Montamos acampamento nas nuvens e depois desativamos. Choveu.

Tua ausência é como um final de tarde.

O domingo me protege, com sua capa neutra de dia santo. Tudo é empurrado para o dia seguinte, danação das segundas-feiras.

De repente o teu frio chegou de viagem. Perguntou pelas lãs e o fogo e pediu abrigo. Mas só havia a ressaca de um verão perdido.

Alguém bate na porta. Levo um susto e vou ver. É o vento. Sente frio de si mesmo

Nos convencem a desistir. Quando concordamos, um olhar de surpresa começa tudo de novo.

Fechei-me para balanço. Só tu, amor sem esperança, poderá mudar o que não tem mais jeito.

Viajo pelo tempo, para cidades que moram onde não mais estamos.

Voltaste, sol no outono. Deste fim à trégua para que eu sobrevivesse.

Amanheci contigo diante dos pássaros. Éramos dois silêncios em doses de encantamento.

Arrastar a asa prejudica o voo. Solte-se, me capture à toa.

Só dentro de mim te identifico. Fora, deixa solto o enigma. Que não achem teu calor que me abriga.

O amor ensina o convívio. Apaga as cicatrizes, lava as feridas. Retorna o tempo perdido, compõe o que chamamos vida.

Te misturas às plantas como as asas de seres sagrados. Terna imagem de uma vocação de arte.

És música, perfil de fé maior. Beleza que aprofunda o som que escuto ao te ver.

Quando fica tarde demais, amanhece. A flor vem depois do temporal.

Sentiu saudade? Eu esperei. Me fizeste provar uma eternidade.

Deus fez o homem e depois achou que podia fazer melhor.

Sou de outro planeta. Este mesmo. De onde vim e para onde me perco.

Começo cedo, depois encerro. Mas fica o aceno que não me deste.

Abrigo tuas asas, amor sem pouso fixo.

O corpo adivinha as curvas, por isso o assédio de rua é tão ridículo. Olhar escancarado é puro desconhecimento. Fechamos os olhos para sentir a brisa

Não sei mais o que é dor, o que é esperança. Talvez esquecer seja só o começo.

A beleza não se sustenta. Alma só existe se houver alimento.


LER

Ler é o melhor domingo.

Toda vez que te leio, me desfolho.

Sou analfabeto em você, mas leio seu coração.

Não leio pensamentos. Não me alfabetizei em teus segredos.

Faço poesia no joelho. Depois passo a limpo, no teu ouvido. Recitas tateando no escuro, a noite onde nos pegamos.

Imagino que me escutas e isso cria o veludo no que digo


ESPARSOS

Só quando te vi
tive noção
Não foi o decote
juro por mim
Foi o coração

tão intensa
e distante
feminina tsunami
falamos por poesia
coração de oceano