7 de março de 2014

PROMOVO A PALAVRA



Nei Duclós

Promovo a palavra fora da sua espécie. Cruzo com crepúsculos. Ponho no amanhecer.

O pote no fim do arco-íris é o beijo mais esperado.

Rodei o mundo sem sair do lugar. Viajei fora do mapa. Pousei sem teto. Tirei férias quando todos voltavam do mar. Andei de costas para a aurora boreal. Comprei passagem para onde não há.

Alterno tédio e assombro, euforia e cinzas. Assim distraio tua atenção, musa. Te capturo na armadilha.

No momento em que você ama o mundo corrige o rumo.

Não tens defeito. Eu é que me estraguei em outro tempo. Hoje reaprendo com a perfeição de tuas linhas modernas, desenhadas no vão livre das renascidas florestas.

Toda vez que voltas, eu ressuscito.

Dei-te o mel que estava escasso. Me devolveste o sonho, que me abandonara

Joguei neblina na noite que começa. Fechaste os olhos por alguns instantes. Havia estrelas em teu rosto habitado pela luz que despertamos.

Falo aos poucos, de respiração aos trancos. Ando a cavalo, te carregando.

És obra intensa e eu leitor desatento. Folheio gibi enquanto enfrentas gigantes.

Use o poema para conquistas. Uma linguagem terna, um novo mundo. E um coração perdido que peça socorro.

Você é tão densa que rio achando que me assustas.

Atração é como futebol. Pode dar briga no final. Mas compensa mesmo que não haja gol.

Gostas dessa falta de frescura que há nos poemas escritos pelos ursos.

Enfim lembras de mim. Pena que já morri de saudade.

Você me surpreendeu e aceitei mesmo desconfiando que não haveria fôlego. Mas me acostumei e agora chuto lata na via Lactea.

Há diferença demais entre nós. Isso inviabiliza a relação. Tive pressa em nascer.

Alguém te aconselhou contra mim. O que me pira não é a acusação, que tem fundamento. O que pega é saber que acreditaste.

Voltei ao mundo real, bem agora que tinham se acostumado com minha ausência. Estou normal, com exceção de alguns peixes de aquário na cabeça.

PLANADOR

Voo, planando, contigo
não ha abismo
quando consolidamos o voo

ÓCULOS DE ARAME

Revisitei a poesia abandonada pelas rupturas obrigatórias.
Foi como voltar às salas antigas com cheiro de livros.
O Tempo, professor do Primário, usa óculos de arame.
Ele lê em voz alta algo de Bilac ou Gonzaga.
Lá fora ruge Maiakóvski.

ANEXO

Mandei em dezembro
uma carta pelo correio.
Rastreei o endereço.
Não tinha chegado
nem em fevereiro.

Talvez no próximo inverno recebas.
Diz: te espero até o fim dos tempos.
Anexo, uma flor viva de pessegueiro.

OUTRO MUNDO

No fundo, e oculto,
tens o núcleo do desmanche.
Onde ninguém chega,
a não ser que uma lua de outro mundo
ilumine o contorno do amor que não inventas.

ELA, ELE

- Preciso conquistar uma garota, disse o rapaz.
- Desista. Só assim você terá chance, disse o veterano.

- Não posso dizer que gosto, disse ela. Sou comprometida.
- Diga e saia disparando, disse ele.

- Gostaria que você parasse com os sonetos, disse ela.
- Difícil, ele falou. Me acostumei a dizer que te amo.

- Esse poema não é para mim, disse ela. Não sou rainha nem faço parte da monarquia.
- Sei disso, disse ele. Mas enquanto houver súditos da tua beleza, haverá absolutismo.

- Você insiste com cinderelas e sapatinhos, disse ela. Dá um tempo.
- Procuro um pé que sirva, disse ele.