14 de março de 2014

DECISÃO



Nei Duclós

Morrer é muito íntimo
não devia haver testemunhas
Morrer sozinho, igualzinho
à vida, em que ninguém
consegue chegar perto
de outra criatura

Todos devem virar o rosto
na hora do desfecho
ser datado parece destino
mas é livre arbítrio, o certo
é que embarcamos por natural
vontade

Essa é a vergonha na passagem
o de termos escolhido
a viagem. Mas como é segredo
é preciso fingir que sentimos
muito, para ficarmos
à altura de tanta lágrima

Aturar depois os chamados.
as velas, as barbaridades
que dizem sobre nós, distorcem
as histórias pela culpa
que nos atribuímos por ter ido
embora

Morrer não precisa de alma
basta evaporar-se
O mistério é essa decisão
de partir cedo, quando
poderíamos ainda cultivar
nossa vocação para o cinema

RETORNO - Imagem  desta edição: Orson Welles em Citzen Kane