Nei Duclós
Morrer é muito íntimo
não devia haver testemunhas
Morrer sozinho, igualzinho
à vida, em que ninguém
consegue chegar perto
de outra criatura
Todos devem virar o rosto
na hora do desfecho
ser datado parece destino
mas é livre arbítrio, o certo
é que embarcamos por natural
vontade
Essa é a vergonha na passagem
o de termos escolhido
a viagem. Mas como é segredo
é preciso fingir que sentimos
muito, para ficarmos
à altura de tanta lágrima
Aturar depois os chamados.
as velas, as barbaridades
que dizem sobre nós, distorcem
as histórias pela culpa
que nos atribuímos por ter ido
embora
Morrer não precisa de alma
basta evaporar-se
O mistério é essa decisão
de partir cedo, quando
poderíamos ainda cultivar
nossa vocação para o cinema
RETORNO - Imagem desta edição: Orson Welles em Citzen Kane