Nei Duclós
Cruzei o ardor do deserto. Me multipliquei em viagens sem
volta. Nada encontrei a não ser o verso. Passo necessidade sem maná no alforge.
Segui o rastro do vento. Enredei-me em temporais de areia.
Vislumbrei teus desígnios, beduína que não me acena.
Me afastei por contingência, permaneço por preguiça, sonho
com um novo espanto. Nasce o sol que estava exangue, a manhã clara dos poemas.
Sou uma persona da poesia, território ignoto onde o Tempo,
para entrar, pede licença. Tenho idade para ser tua semente.
Hoje vivo à parte, entre urzes. Me alimento de raízes. Chuto
tufos de gramíneas. Espanto passarinhos. Anoto o roteiro dos navios distantes,
que me observam, tementes.
Não reparto, não convido, não convoco, não aceito, não
confisco, não comento, não expludo, não me atenho. Perdi a humanidade com o
vento.
Não gosto de te amar. Dá trabalho. Prefiro o vazio, que
permite o sono. Acordar em ti é algo tremendo. O universo se precipita com teu
beijo.
Depositei o amor na calçada. Pensei que estivesse pesado.
Mas de repente ele foi colhido pela brisa e levantou voo. Foi-se até as nuvens,
o tratante.
Pensei que já fosse domingo. Mas consultei o calendário e
notei que era ainda um esboço imaginando o desenho.
Não acho que seja importante. Não fazemos parte do target.
Medramos em muros sem cuidados. Emitimos som sem alarde. Jogamos limpo,
verdade.
Fujo do que não me habita. Abraço o que te faz faceira. Quando
precisas, violento, mas é só uma quebradeira de conchas na areia.
Na tua melodia sou a letra. Escrevo em meu gabinete, bairro
oculto das estrelas.