20 de março de 2012

INCÊNDIO


Nei Duclós

Não faça rescaldo. Dê espaço depois do incêndio. Não queime a lembrança da Lua pegando fogo.

Me surpreendes com tua entrega, mais completa do que imaginaria. Sempre estou aquém do que me aprontas. Sorte minha.

Mandei um coração para ela. Jogou fora. Achou que era spam.

Te mandei um presente minúsculo, sumia na minha mão bruta. Colheste como um alfinete, com a respiração suspensa.

Me civilizas. Tua beleza prova que faço parte de outro mundo. O que te admira através do cosmo frio e surdo, minha melodia.

Agora estás quieta e me escutas. Teu olhar está longe, além do muro. Viajas comigo, despertando a delícia.

Não tens nada a dizer? Fico só quando te calas.

Quero você fora desse perímetro, lá onde encontramos a crueza do nosso desejo. Onde a luz rasga o céu, tua conduta.

Medo da rejeição me imobiliza. Mas basta um sinal para que combines algo mais fundo.

Não há vida sem esse curto-circuito na morta planície. Desço da montanha com fúria, te acendendo, encantadora.

A poesia respira quando enfim me aceitas. Misturo meu ar na tua clorofila.

Te vi apressada e desconfiei. Tens outro. Ok, entregue a ficha. Vou ter um particular com o meliante.


CARTAS


Minhas cartas voltaram. Endereço desconhecido. Hoje passa uma avenida na sala da nossa primeira noite.

Lembro bem quando ficamos juntos na primeira vez. Estavas de vestido todo transparente. Há dez minutos tirei a roupa, me avisaste.

Na primeira vez, me orientaste em tudo. Eu não tinha o mapa. Era um rastreador intuitivo. Sabia que tinha água, mas não onde ficava o oásis.

Tinhas o cabelo liso, escorrido e um olho azul de jóia preciosa. Meio sorriso, passinho miúdo. Tomaste a iniciativa, claro. O bruto ainda engatinhava.

Não sinto saudade. Queria apenas um pouco de nós sobrevoando o tempo e chegando agora de uma longa viagem.

Abandonamos tudo por aquele amor. Depois, nos abandonamos, cada um para um lado. Quem entende as criaturas amadas?

Mentiam sobre tudo. Era proibido fazer perguntas. Precisei de ti e tuas sardas. Respiravas afogueada.

Quando imaginei já ser um especialista, foste embora. Eu tinha errado no básico. Passamos a vida aprendendo o que o outro gênero nos catequiza.

O namoro foi além da praça. Tinha um laço nas costas da fada. Os tecidos caíram nos sapatos. Lá fora o sol da tarde, dentro a penumbra do arraso.

Jogávamos cartas esquecidos de tudo. Aprendíamos o convívio, o amor fora da balada. Amadurecemos antes de chegar as férias.


RETORNO – Imagem desta edição: Marilyn Monroe.

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