17 de março de 2012

COSTURA


Nei Duclós

Você costurou o vestido não para usá-lo de novo, mas porque lembra o dia em que nos conhecemos.

Você me surpreendeu. Desistiu de Paris só para saber o que eu queria te dizer. Era eu te amo. Está arrependida?

Não é para você o bilhete. É só para dar uma olhada na gramática.

Não somos sérios. Estamos loucos por um amasso e ficamos nesse nheco nheco.

Conta um segredo. O que você faz com tudo isso, feminina?

Agora começa a época em que o mar pede um tempo. Cansou de gente.

Recolhi a bandeira. Estendi um lampião de queresone. Tem pouco brilho e solta cheiro. Estou aqui, no ermo, prisioneiro.

Acabaste comigo a distância. Quando te aproximares acho que não sobrevivo.

Só existes em versão digital. Assim não tem ponto para agarrar.

Ficamos nos rodeando como se estivéssemos em luta. No primeiro golpe, dancei.

Juravas que teu vento não inflaria minhas velas. E eis-me aqui em alto mar.

Nos despedimos na véspera do agarro. Algo impede que eu te pegue. Estamos sob observação.

Eu não sou complicado. Você é que não está usando o aplicativo certo.

Noite sem Lua. Começo do frio. Estrelas tremidas, sozinhas, brilham as jóias de seus vestidos. Piscam ansiosas para um futuro príncipe.

Vou contar até três. Não vindo, irei te buscar com meu navio. Ele está aos pedaços, mas o que é o mar comparado a ti?

Pára com isso. Não depende de ti, nem de mim, mas do sentimento. Encaminhe-se para meus braços, ave marinha.

Sofrer ainda é algo vivo.O pior é a indiferença dos dias quando estou sem ti, ao relento.

Decidiste experimentar a vida sem me ter por perto. O problema é o amor, sempre desperto.

Não posso pedir que voltes, apenas sonhar contigo. No sonho, peço que voltes.

O que não me toca faz plantão na esquina. Enquanto você, fugitiva, desaparece como o som de um pássaro perdido no deserto.

Segui tuas pistas. Não estavas no fim da linha. Eram apenas teus passos, sem teu corpo. O meu agoniza.

E o vento afia o corte na superfície de nossa roupa fustigada pelo que se aproxima. Será o sonho realizado? O amor que voltaria? Chora, coração, na espera arrependida.

Março tem essa simpatia. Exagera no verão e depois prepara o outono que se atira. Entramos no rodízio do clima.

Saio para ver a noite. Três Marias são as únicas estrelas que identifico. Elas formam a coroa de uma deusa longínqua.


RETORNO – Imagem desta edição: Natalie Wood.

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