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Nei Duclós
Insisto no tema porque a antologia que estou lendo prazerosamente de contos russos tem inúmeras revelações. A começar por diversos autores que eu desconhecia e que são importantes, como Búnin (1870-1944). No conto A Glória ele fala do fascínio que seu povo tem pelos patifes. Uma das coisas que me impressionam na realidade da Rússia da virada do século 19 para o 20 são as sintonias com o Brasil profundo. Já fiz uma resenha intitulada Tolstói no Brazilsão Tzarista. Mas não é por isso que essa literatura se impõe e sim pela qualidade dos seus narradores.
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Não lembra alguma coisa? Ligamos a televisão e lá vemos os falsos profetas a catequizar o povaréu e a cantar (só faltam as cambalhotas); os catequistas que vivem olhando para as câmaras dando conselhos fajutos de auto-ajuda; os políticos que falam em ética, democracia e direitos humanos e que são flagrados com a boca na botija. Vivemos num ambiente parecido, favorável à mistificação. Engana-se o povo com todo tipo de expediente. Nada mais atual do que esse conto de Búnin.
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O conto também é um toque sobre o objetivo principal do evento, que seria conseguir o grande lance, o que jamais ocorre, pois a expectativa, a ansiedade e a frustração impedem que um dos jogadores, cardíaco, chegue ao final. Conviver com o corpo inerte em cima da mesa onde se distribuíam as cartas é um detalhe sinistro deste brilhante conto de mais um autor russo, que nos deslumbra pela sua capacidade de exercer um ofício tão complicado como é a literatura.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagens desta edição: procissão russa, Bunin e Andreiev, pela ordem.
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