Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
14 de março de 2012
À SOMBRA DA METÁSTASE DO CAPITALISMO
Nei Duclós
Capitalismo nasceu de uma reação ao engessamento econômico e social promovido pelo absolutismo e o poder clerical. Mudou o paradigma das ações ao aproveitar a sem cerimônia das potências em relação ao resto do mundo e eliminou as fronteiras para desencadear o que interessava, o lucro. Mas desde sua origem oferece uma dupla face do mesmo rosto. Para se justificar diante dos poderes tradicionais imperiais, precisava de uma ética, largamente estudada e de maneira brilhante por Max Weber. E para ser fiel à sua natureza agiu por metástase, o crescimento geométrico da exploração e da riqueza, detectados por Karl Marx no século 19.
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o clássico livro de Max Weber, tem como contraponto a obra de Marx, notada mente seus dois pólos complementares, o popular (O Manifesto do Partido Comunista de 1848) e sua intrincada bíblia, O Capital. O que Weber vê como um conjunto de princípios que levam ao equilíbrio social e à riqueza, Marx vê como uma corrida em direção ao abismo. Talvez ambos tenha eliminado uma das faces do rosto único. Para efeitos deste ensaio, Weber não apontou o desvirtuamento do capitalismo e Marx não celebrou seus princípios,apesar de sua grande admiração pelo assunto, como já notaram inúmeros autores, que colocam o Manifesto como o maior elogio à burguesia.
Mas seria muito raso achar que dois gênios tenha se atrapalhado em algo tão simples. O argumento está aqui para criar um tipo ideal para a análise, onde cada um expressa um lado dessa contradição entre o capitalismo que gera a democracia e o que gera a tirania. São duas personalidades distintas do mesmo processo, uma esquizofrenia explícita, em que os dois lados invadem o território do outro, mas mantém suas respectivas identidades. O capitalismo que gera riquezas e diversidade política se opõe à sua tendência ao monopólio ao imperialismo. Para ser ético, o capitalismo precisa ser nacional, com moedas nacionais, parques industriais próprios, fronteiras fechadas e atividades internacionais negociadas caso a caso. Isso o aproxima das teses do socialismo e o do Estado do bem Estar.
Mas esse quadro entra em contradição com a metástase, o desvirtuamento ético que é a exacerbação dos instrumentos do capitalismo, como acontece com a indústria financeira. Marx via as crises sucessivas como algo inerente ao capitalismo, que cava sua própria sepultura. Mas sabemos que a grande crise de 1929 foi provocada pela indústria financeira que destruiu 16 mil bancos e gerou o monopólio financeiro. Este continua intacto, com grandes fusões cada vez mais intensas.
A partir da década seguinte, anos 1930, foi retirado gradualmente o peso ouro do dinheiro, que virou uma entidade à parte, com direito ao crescimento desordenado e sem os freios da economia real. Isso se consolidou com Nixon, que sucateou o dólar como moeda paradigmática e com Reagan e Tatcher, que promoveram a desregulamentação do mercado financeiro, ou seja, tudo podia. Esse foi o instrumento mais poderoso da chamada globalização, que destruiu as moedas nacionais, transformando libra e marco em papel pintado (euro), intensificada pela criação de novos produtos financeiros que aprofundaram a desregulamentação, principalmente na partir dos Bush.
O resultado todos viram em 2008, quando descobrimos que milhares de hipotecas inadimplentes eram vendidas como pacotes lucrativos e negociadas no carrossel da jogatina das Bolsas, transformadas em cassinos. Como a indústria financeira tem a economia real como refém, obrigou os governos a raspar os cofres da nação para manter o equilibro das finanças. Mas era tarde demais. Os bandidos tinham provado o suco do roubo e não iriam parar mais. Vimos então como a Grécia, Espanha e outros países entraram pelo cano.
O Brasil é uma reserva de mercado da especulação internacional, pois não tem economia nacional e deve quase dois trilhões entre dívida externa e pública. Somos o ambiente ideal para o anti-capitalismo, pois não chegamos a ele (ao capitalismo de princípios, da origem weberiana). Somos ainda pré capitalistas, pois não temos um empreendedorismo sólido (o sucateamento das pequenas e médias empresas é um fato), não temos mais moeda, destruída pelos planos cruzados no queixo, e temos uma longa história de colonialismo político, social e financeiro.
No fundo, a metástase desse anti-capitalismo, confundido com o próprio, é a volta do velho absolutismo. Trata-se de uma reencenação dos grandes monopólios, em que a concorrência é destruída, as nações ficam sob servidão absoluta e o poder é exercido por impérios superconcentrados. Não termos capitalismo e portanto não termos burguesia (Eike Batista é um empreiteiro) alia-se ao fato de não termos operariados, apenas uma contrafação nas multinacionais, de onde saiu o ilusionista mor, criado pelos bandidos que trabalham na sombra. Mestre Raymundo Faoro já tinha denunciado em Os Donos do Poder a hegemonia do Estamento, a burocracia estatal que historicamente domina o país. Aliada ao poder total das finanças, temos a atual ditadura civil no Brasil, a que se livrou da farda para continuar pontificando, já que entramos nesse processo para valer a partir de 1964, quando foi iniciado o sucateamento do Brasil soberano.
Ou seja, para debater é preciso enxergar o processo inteiro com o espírito livre. O marxismo-leninismo, que no início levava em conta a advertência de Marx de que o socialismo só seria alcançado depois que todas as forças econômicas e sociais desencadeadas pelo capitalismo atingissem determinado nível , tropeçou no fosso do stalinismo burocrático, exatamente o poder absolutista de Estado que o capitalismo tinha enterrado. Seus epígonos, da Guerra Fria à guerrilha, só serviram para alimentar a gula da metástase, que aproveitou a desmoralização do socialismo para vencer as barreiras éticas engendradas na luta contra o absolutismo reinol do século 18.
Vivemos à sombra dessa derrota. Abrimos um negócio para o Estado nos devorar com tributos e tudo cair na mão dos chineses, que são também absolutistas de Estado. As atividades econômicas são vilanizadas pelo pragmatismo do voto contaminado. Celebram-se os grandes projetos, distribui-se esmolas, premia-se os empreiteiros, mas jamais deixam que as forças econômicas sociais, norteadas por uma ética, ou seja, um estado democrático esclarecido, promovam o bem estar e o desenvolvimento.No brasil, empresário ainda é nome feio.
As recentes manifestações anti-Wall Street não são contra o capitalismo, mas contra a metástase, contra a indústria financeira sem limites e superconcentradora de renda. Não é, portanto, de esquerda. Nem de direita, pois quer equilíbrio e ética nos negócios, e isso implica o bem estar de todos, não apenas do topo da pirâmide. Romper a lógica do dominó sinistro, em que a metástase vampiriza a sobrevivência das nações, e que começa na especulação e acaba no desemprego, é tarefa que se impõe nesta segunda metade do século.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário