Nei Duclós
Se houvesse lua, eu lembraria. Mas foi no escuro. Quando
acordei, já tinhas ido.
Joguei fora, achando
que permanecia. Mas a ausência se vinga.
Nem tudo o verso conserta. Preciso do sentimento, bálsamo da
diferença.
Vieste em busca da poesia mas descobriste que só existe
alguém enredado na tua teia.
Tens a natureza do vime, que perdura e toma a forma da cesta
que guarda meu coração cativo.
Nada me inspira, já tenho dito antes de te vir sozinha.
Formato o verso te imaginando minha.
Nunca vens diretamente. Fazes uma volta, como as andorinhas
antes de mergulhar no precipício.
Tenho a palavra exata para este momento. A que desata o nó
do teu vestido.
Ninguém notou o assombro de tua passagem junto ao vento.
Confundiram com a brisa e era apenas o leve ondular do teu seio.
Vamos nos reencontrar no dia perfeito, gravado nas nuvens
esparsas de uma primavera ainda tímida.
Eternidade é quando nossa consciência migra, da porção
terrena para um lote do paraíso.
A linha do tempo costura e depois desfaz a biografia, para
que o mistério persista.
Escrevi a profecia para desenhar o
futuro, mas o tempo passa borracha no caderno de desejos.
O que significa essa mensagem que me sopraste? perguntou o
médium. Sei lá, disse o anjo. É ao
portador. Depende de quem receber. Muito cômodo, disse o medium. Sopras o que
não adivinhas. Sou poeta, disse o anjo.
Essa cara de quem não se importa, de deixar a morte fazer o
serviço e aguardar o que vem depois, se o Nada ou um solo de Frank Sinatra.