Nei Duclós
Segui teus passos, desamor. Não estou habituado, ainda. A
toda hora sinto alguma coisa.
Não pense que um aceno me traz de volta. Aprendi a me
defender, possesso.
Cortei todos os acessos, levantei a ponte do fosso, fechei
as comportas e abri meu diário. Caderno condenado ao mais vil porão da
desmemória.
O amor não serve para perpetuar a espécie, mas para
exterminar seu poder de sobrevivência, beldade indiferente.
Jogaste fora o tempo de devoção soprado pela força de um
coração no front. Hora de voltar a pé, pela trilha dos exaustos, para teu campo
um dia abandonado.
Agora se distraia, busque a mosca azul do que não
compreendes. Quem sabe outro caia na rede, ilusionista de amarras.
Te deixaram a sós, com o único tesouro verdadeiro. O amor
vindo da fonte.
O sentimento nos torna vulneráveis. Sempre tem algo de
tocaia. É o preço pago pela fé na felicidade.
Eu estava enganado. Não era amor, mas minha projeção na tela
infinita das possibilidades.
Parece óbvio demais passar por desilusão, mas sempre
apostamos no que nos transcende. Fomos moldados para o eterno.
Parece sem fim esse nada que me abate, mas é só ressaca do
teu desamor covarde.
Até recuperar minha capacidade de sonho vagarei no deserto
para onde me levaste. Morrerá de sede o que veio de ti, enquanto fabrico oásis.
Fiquei escaldado. Agora em vez de amar, farei como tu, para
que me achem maduro.
Não tinha notado. Sugaste meu coração por hábito. Deixaste
no lugar essa solidão que é tua herança estéril.
Diga adeus, porque eu estou com preguiça.
Vou piorar para ficares livre de vez.
Prefiro que seja confundido com admiração. Amor levanta
suspeitas.
RETORNO - Imagem
desta edição: Bette Davis.