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20 de junho de 2009
O QUE O IRÃ NOS ENSINA
Nei Duclós
Não há democracia sem eleição direta, mas eleição direta não garante a democracia. Ditadores adoram eleições. Servem para justificar o poder ilimitado e colocar a culpa nos votantes. Qual o modelo de democracia no mundo? Os Estados Unidos, claro. Você conhece algum presidente americano que não seja democrata ou republicano? Não passa de uma gigantesca república café-com-leite, onde dois partidos se revezam para manter a continuidade da política imperial. Adolf, o austríaco nazista, foi eleito pelo voto direto. Assim como o atual presidente iraniano.
Se o Ahmadinejad desempenhasse seu papel com lisura nas eleições, quando em tese teria recebido 62% dos votos, não haveriam gigantescas manifestações, violentas, ameaçando a estabilidade do país. O atual estágio do Irã nos revela um país surpreendente. Eu acreditava, na minha ignorância habitual (plantada pela modorra do noticiário ) que se tratava de uma espécie de Coréia, onde os donos do poder se eternizavam no trono. Só a existência de um aitaolá que paira sobre as nuvens, ou seja, tem mais poder do que os eleitores, nos diz bastante sobre a situação. Mas vemos que o Irã é uma nação com uma gigantesca oposição militante, que foi à forra depois que os resultados vieram à tona, boiando como coisa morta na superfície da opinião pública alarmada.
É sintomático que o presidente Lula tenha feito pouco desse enorme movimento de massas, que pode ser comparado à pressão popular contra o Xá, antes de o país virar uma república islâmica. Lula acha, assim como o aitolá Khamenei, que não tem de chorar sobre leite derramado, que aos vencedores as batatas do poder. Ou seja, o resultado que as comissões eleitorais extraem das urnas é sagrado e não se pode contestar essa ação humana, e portanto aberta a falhas. Com o assim, o resultado é sagrado, não pode mexer? E se o resultado foi fraudado, como tudo indica que foi? E por que é sintomático que Lula tenha apoiado o presidente reeleito dessa forma tão contestada?
Porque aqui temos algo semelhante, uma ditadura que usa as eleições para se perpetuar. A militância trabalhista tem falado como foi fraudado o resultado das eleições presidenciais de 1989, quando tiraram de Brizola o direito de assumir o Planalto e colocaram Lula e Collor na final, com evidente vantagem para o presidentinho que tungou todo mundo. Notícias de fraudes existem, mas jamais são apuradas de maneira devida. Fica um diz-me-diz-que, uma onda do rádio peão. Ninguém vai a fundo ver, ninguém “recrama”. É porque temos uma oposição pulverizada contra a ditadura. A ferida aberta do trabalhismo, a força política assassinada e insepulta, é apenas um aspecto dessa insurgência surda, que acaba gerando defecções pífias como o Psol ou o PSTU.
Não temos, como no Irã, um consenso de oposição capaz de fazer os ditadores se arrependerem de brincar de democracia. Aqui no Brasil tivemos um exemplo nas eleições de 1974, quando os senadores de oposição ganharam em quase todo o Brasil, fazendo o poder tremer. Lembro até hoje o Correio do Povo, de Porto Alegre, ostentado a foto de Paulo Brossard, acenando com o chapéu de feltro (num gesto típico de Primeira República), enquanto a manchete dizia: “MDB lidera eleições em todo o país”. Não foi o início do fim da ditadura, mas de sua auto-superação. Foi um susto que os ditadores aproveitaram para se recuperar logo em seguida, providenciando a anistia para os torturadores, o longo mandato de Figueiredo (para preparar o terreno do continuísmo), a derrota das diretas-já no Congresso, a morte de Tancredo Neves e a eleição de José Sarney.
Agora é moda chutar Sarney, mas foi a imprensa que incensou essa ditadorzinho metido a estadista. Tanto é que ele há anos é colunista da Folha. A porção britânica da mídia brasileira fez uma análise sobre o Sarney colunista do jornalão. Tarde piaram. A crônica política precisa se desvencilhar da imagem bem comportada do analista consentido, que fala elegantemente nas entrelinhas, uma herança da fase áurea da ditadura civil-militar. É preciso desmascarar esse bom mocismo bem pensante que bate uma no cravo e outra na ferradura, conforme se movimenta a biruta.
É preciso aprender com o Irã. Democracia não é só eleição. É também povo na rua para virar o jogo das eleições fraudadas. E também uma oposição de texto engajado e não apenas olímpico, como se o sexo dos anjos fosse o tom apropriado para lidar com eventos que matam gente e destroem gerações.
RETORNO - Imagem de hoje: o presidente do Irã, submisso ao poder teocrático (ou seria o contrário?). A foto tirei daqui.
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